Violência e decepção em 1986
Pedro J. Bondaczuk
O ano de 1986, que a
Organização das Nações Unidas pretendia que fosse consagrado à paz e à
concórdia internacionais, termina, hoje, de forma melancólica. Finda detendo um
recorde incômodo e perigoso, ou seja, como sendo o período de 365 dias mais
violento do presente século. Atentados terroristas, seqüestros, ameaças e
tentativas de morte ocorreram praticamente todos os dias, envolvendo países os
mais diversos na totalidade dos continentes. Milhares de vítimas inocentes
pagaram, dessa maneira, pela insensatez daqueles que acham que os meios
justificam os fins.
Das 42 guerras civis,
conflitos entre nações e levantes guerrilheiros, existentes no ano passado,
nenhum chegou ao fim. El Salvador, Nicarágua, Etiópia, Afeganistão, Angola,
Camboja, Líbano, Sri Lanka e uma infinidade de lugares têm o seu progresso
impedido, porque irmãos, que deveriam atuar em conjunto pelo bem comum, não se
entendem.
Em nível das superpotências,
a situação hoje, derradeiro dia de 1986, é muito pior do que a existente há
apenas 365 dias, quando Reagan e Gorbachev acabavam de manter uma reunião de
cúpula em Genebra e viviam um período de franca "lua de mel" política.
Ou seja, trocavam amabilidades em público e chegavam a falar um na televisão do
país do outro. Agora, nem mesmo este simples gesto de boa vontade será
possível. Russos e norte-americanos estão falando línguas diferentes, não
apenas no sentido literal, mas em termos de entendimento.
Em todas as partes, a tônica
das pesquisas de opinião é a do pessimismo. Os povos mostram um compreensível
cansaço com as "picuinhas" dos seus líderes, que fazem de questões
diminutas, sem grande importância, verdadeiros "cavalos de batalha".
O ano trouxe uma decepção muito grande com o encontro de cúpula informal de
Reykjavik. É verdade que essa reunião pegou todo o mundo de surpresa. Afinal,
foi anunciada somente onze dias antes da sua realização. Mas o clima criado em
torno dela, com os dois interlocutores levando para a mesa de negociações propostas
específicas, foi dos mais otimistas. E as superpotências, na verdade, estiveram
muito próximas de chegar a um acordo histórico, que livraria a humanidade do
terror nuclear até o fim deste milênio.
Mas o interesse econômico,
insensatamente, prevaleceu sobre o bom senso. Um projeto, que por enquanto nem
saiu sequer do papel e cuja viabilidade é contestada até pelos seus
idealizadores, conhecido popularmente por "guerra nas estrelas", pôs
tudo a perder. O pedido de Mikhail Gorbachev a Reagan até que foi razoável. Ele
admitiu que os Estados Unidos pesquisassem o seu escudo espacial livremente,
desde que tudo não saísse do âmbito dos laboratórios.
O presidente norte-americano,
entretanto, não aceitou isso. O líder russo, por seu turno, bateu pé firme em sua
exigência. E a reunião, que começou com sorrisos e amabilidades, acabou com
ambos os dirigentes irritados e desejando trocar insultos mútuos.
Acontece que, conforme fontes
abalizadas, o programa Iniciativa de Defesa Estratégica, por enquanto, não
passa de mero enredo de ficção científica. Por pelo menos uma década, não
conseguirá sair do mero âmbito da pesquisa laboratorial. Talvez, até, nunca
chegue a ser testado, tamanhas são as complexidades que ele envolve. Mas há
muito dinheiro empenhado em cima dele.
Contratos já estão sendo
firmados na Europa e muitos dólares serão jogados fora nessa fantasia. Por
causa dessa insensatez, entre tantas outras, é que o mundo todo termina 1986 e
encara 1987 com tamanho pessimismo. Sabe que apenas um milagre pode modificar
esse quadro. Oxalá ele acabe acontecendo um dia. Não custa nada confiar e
sonhar com este objetivo.
(Artigo publicado na página
12, Internacional, do Correio Popular, em 31 de dezembro de 1986)
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