Sem
tempo para digerir
Pedro J. Bondaczuk
O
início do século XXI, em especial nestes seus primeiros treze anos,
caracterizou-se, entre outras coisas – entre as quais um profundo desrespeito e
pouco caso com a vida – pela velocidade. ”Sinais dos tempos”, dirá o leitor
pragmático, achando tudo normal. Talvez esteja certo. Essa rapidez, que beira a
instantaneidade, aparece em tudo. No surgimento e solução de crises, na criação
e destruição de sistemas e principalmente na informação. As notícias, hoje em
dia, como quase tudo o mais, tornaram-se objetos de consumo imediato:
descartáveis, velozes, superficiais, "prêt-à-porter", efêmeras. Fatos
que talvez transformem para sempre a realidade emergem, ganham as manchetes e
em poucos dias desaparecem, sem que os “consumidores” do noticiário saibam do
epílogo dos acontecimentos.
É
como se algum leitor ávido por se informar lesse, com uma velocidade
estonteante, os primeiros capítulos de uma infinidade de livros. Teria
conhecimento do início de uma grande quantidade de histórias, das quais
desconheceria, no entanto, o desfecho. Ou mais, é como se fizéssemos um lauto
banquete, com requintes de glutonaria e, antes que o digeríssemos,
participássemos de um outro, tão ou mais exagerado. O escritor italiano Umberto
Eco classificou esse estilo contemporâneo de fazer jornalismo de "sistema
de celebridades". Os meios de comunicação não se limitam mais a
simplesmente reportar o que acontece, mas proposital ou acidentalmente, deliberada
ou fortuitamente, acabam ou sendo notícia ou a induzindo a acontecer.
O
romancista italiano cita um caso em que isto ocorreu: "A contestação
estudantil de 1968 foi influenciada pela intervenção da mídia, que favorece a
sua reprodução quase instantânea em países diferentes com padrões similares.
Mas se no tocante a 1968 se pode falar de um fenômeno que explodiria de
qualquer maneira por uma necessidade histórica, diferentes são as reflexões a
fazer pelas muitas reproduções de 1968 em menor escala. Freqüentemente elas
brotaram porque grupos estudantis tendiam a copiar a imagem do estudante criada
pela mídia". Respondam com sinceridade: não ocorreu algo semelhante nas
recentes manifestações populares (populares?) que, em escala muito mais ampla,
varreram o País de ponta a ponta? Desconfio que sim.
Ressalte-se
que em 1968 não havia a internet e muito menos as redes sociais a facilitarem a
convocação de manifestantes, como ocorreu em junho de 2013. A imprensa, muitas
vezes de forma até involuntária, é criadora por excelência de estereótipos. E
de crises. Não é por acaso e não sem certa dose de razão que o partido que está
no governo há já três mandatos veja nela, ou em boa parte dela, mera facção
partidária fazendo as vezes de oposição. Criou (ironicamente) até uma sigla
para o seu conjunto: PIG.
Não
posso jurar se é proposital ou não, mas esse conjunto de três letras forma a
palavra “porco”, em inglês. Creio que se tratou de coincidência mesmo. Mas... A
sigla quer dizer (oficialmente): Partido da Imprensa Golpista. Exageros a
parte, boa parte da mídia não cumpre um dos pressupostos da atividade a que se
propõe exercer: a isenção. É partidária e muito! Com o passar do tempo, de tanto o modelo
estereotipado ser imitado, finda por se tornar concreto. Da mesma forma que os
órgãos de comunicação podem ser utilizados para opor resistência a tiranos e
tiranias – o Leste europeu, no período comunista, criou seus órgãos
"underground", mimeografados, para expor a verdade ao povo, alguns
dos quais com circulação até maior do que os oficiais – se prestam a estimular,
sugerir, apoiar ou perpetuar ditaduras.
Não
é por acaso que quando se dá um golpe de Estado, os primeiros pontos a serem
tomados pelos golpistas são as emissoras de rádio e televisão e as redações de
jornais. É verdade que hoje há a internet para atrapalhar as ações dos tais
brucutus. Mas... O mesmo meio com o qual se pode despertar a consciência das
pessoas, se mal empregado, tende a alienar os cidadãos. A televisão, pela sua
instantaneidade, era, até não faz muito, veículo virtualmente imbatível em
termos de ser o primeiro a dar a notícia. Hoje já não é mais. Essa prioridade
cabe, agora, à internet e possivelmente às redes sociais.
Em
17 de janeiro de 1991, por exemplo, a humanidade teve a oportunidade de, pela
primeira vez na história, assistir ao início de uma guerra sem dela participar,
como o aterrorizante bombardeio a Bagdá, mostrado, ao vivo, no momento exato em
que acontecia, pela TV. Hoje, possivelmente, tomaria ciência de uma ação bélica
do tipo em algum dos tantos sites de notícias. E veria, poucas horas depois do
início das ações militares, se não em meros minutos, algum vídeo amador, ou no
Youtube ou em alguma das redes sociais, detalhando a ofensiva. Esse poder
fantástico implica também uma responsabilidade imensa, que quase nunca fica
clara a quem compete o assunto. Na internet, autêntica “terra de ninguém”, não
há como responsabilizar quem difunda, por exemplo, informações falsas. Cabe,
apenas, aos usuários, à sua sensibilidade e principalmente intuição, dar
crédito ou não àquilo que ficam sabendo pela internet.
O
jornalista francês François Henri de Virieu, num ensaio publicado pelo
"Caderno de Sábado", do "Jornal da Tarde", constatou:
"...O sistema midiático, isto é, a televisão e todas as redes por cabo,
fibras ópticas, feixes hertzianos ou satélites que fazem circular a informação,
pesa cada vez mais em nossa vida política e social. Ninguém comanda
verdadeiramente este conjunto. Não há mais cidadão Kane, pois as
responsabilidades estão muito diluídas. Mas todas as nossas instituições são
afetadas por ela". E como são... Isso é positivo? É negativo? O tema
comporta infinitas discussões, com argumentos pró e contra.
Hoje
em dia, mais notadamente nos Estados Unidos (mas também no Brasil), um político
não ganha eleições pela mensagem que transmite, pelo programa de governo que
propõe, mas pela imagem que transmite em suas aparições na TV. Isto ocorreu,
por exemplo, com John Kennedy em relação a Richard Nixon. E repetiu-se com
Ronald Reagan em seu confronto com Jimmy Carter, no último debate televisionado
entre ambos. E com outros tantos candidatos, ora democratas, ora republicanos.
Essa fartura de
informação, além de tudo truncada, tende a conduzir a opinião pública, cada vez
mais participante das decisões dos políticos, a terríveis equívocos na
avaliação de crises. O norte-americano Daniel J. Boorstin observou a esse
respeito: "A Revolução Russa de 1917 alimentou a euforia norte-americana
com a deposição do regime opressivo do czar e a ascensão do governo popular num
vasto território. O terror bolchevista e o regime totalitário stalinista que
vieram depois fizeram-nos repensar as coisas. Os acontecimentos de 1917 teriam
sido apenas uma guerra civil que substituiu os czares pelos 'comiczares'?"
A
mesma pergunta poderia ser feita agora em relação ao Egito, à Líbia, à Tunísia
e vai por aí afora. A desagregação da União Soviética ocorrida em fins de 1991
será fator de estabilidade ou traiçoeira bomba de tempo que ameaça toda a
humanidade no longo prazo? Apesar de já haver passado 22 anos dessa ocorrência,
a dúvida ainda persiste. Desde os tempos da Babilônia – a história nos ensina –
a desagregação de impérios produziu guerras monumentais, ou durante, ou antes,
ou depois desse processo. O fim do século XIX e início do XX foi um período
desse tipo. Dois impérios, o Austro-Húngaro e o Otomano, se desagregaram. E o
que tivemos? Três guerras nos Balcãs e a primeira conflagração mundial. Não
seria, portanto, agora o momento adequado de se agir e de criar alternativas,
justas, lógicas e factíveis, em vez de se comemorar suposta vitória do
capitalismo, que nem está com essa bola toda?
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