Maniqueísmo explícito
Pedro
J. Bondaczuk
As telenovelas, desde
que o gênero começou a se firmar na televisão, sempre geraram polêmicas (e
continuam gerando) entre os críticos e os que se arrogam em “guardiões da
moral”. Para os primeiros, as propostas temáticas que elas apresentam são
tímidas em demasia e esses modernos folhetins dramatizados acabam se
transformando nisso mesmo que você pode estar achando. Ou seja, em “historietas
água com açúcar”, com uma visão maniqueísta de mundo (a existência tão somente
do bem e do mal; os bons são completamente voltados para o bem, sem nenhum
traço de maldade e os maus, por sua vez, são totalmente ruins, sem meios
termos). O ser humano, todavia, não é assim. Para os críticos do gênero, as
novelas não apresentam nada de mais arrojado e mais próximo do que homens e
mulheres de fato são e fazem.
No outro extremo
situam-se os moralistas, que veem nos vários enredos criados a própria
encarnação do “dragão da maldade”. Afirmam que elas disseminam costumes
nocivos, dos quais fariam apologia, estimulando a permissividade, sobretudo a
sexual, e deseducando, dessa forma, a juventude. Tolice, claro. Da minha parte,
entendo que a verdade não está nem com um e nem com o outro lado. Não, pelo
menos, integralmente. Para mim, no caso, “a virtude está no meio”.
É inegável que a maioria das telenovelas (e
das novelas em geral, sejam apresentadas como forem, inclusive em livros) peca
pela superficialidade. Não vejo isso como característica “sine qua non” do
gênero, mas como decisão estritamente pessoal de seus autores, e pelos mais
variados motivos: ou por pouca ou inadequada pesquisa, ou por falta de
informações ou por temperamento de cada um e vai por aí afora. Os moralistas
acusam-nos de usar e abusar do recurso de cenas mais chocantes, de violência
gratuita ou de sexo “quase” explícito, o que contraria, visceralmente, a
opinião de quem gostaria que as histórias refletissem com maior verossimilhança
o que o ser humano de fato é e faz.
Omitir do público
agressões (físicas ou morais), hipocrisia, falsidade e toda a sorte de
comportamentos moralmente condenáveis, é tentar (se com sucesso ou não são
outros quinhentos) aliená-lo da realidade. Não existe o mundo que os
“moralistas” gostariam de ver. E muito menos pessoas como os personagens que
consideram ideais.As coisas, na prática, não são assim. Que bom seria se
fossem! O problema não está em mostrar ou não as mazelas e contradições do
mundo. Está na maneira de expô-las, sem “carregar nas tintas”. Até porque, não
há necessidade disso, pois a realidade já é feia o suficiente e nada edificante
por si só, sem que seja necessário descambar para exageros.
Não conheço nenhuma
obra de arte em que violência, sexo, traições, etc.etc.etc. não se façam
presentes, ostensivamente ou não. Nem por isso, os livros dos bons escritores
deixam de ter o valor que lhes é atribuído. E a realidade, desde que mostrada
por artistas talentosos, que entendam, de fato, do seu riscado, embora possa
chocar alguns, não deixa de ter utilidade. Aberrações, por exemplo, são
estudadas e dissecadas até o âmago, não porque causem prazer, ou devam causar,
mas numa tentativa de se chegar às suas origens e cortar o mal pela raiz. E
esse exercício está presente em todas as artes.
Cenas de erotismo são
chocantes e de péssimo gosto se retratadas por quem não tem sensibilidade
artística para fazê-lo, quando, então, descambam para a nojenta pornografia.
Mas adquirem outra característica se pintadas pelos magníficos mestres das
artes plásticas. Os tais “moralistas” sempre existiram e continuarão existindo.
Vêem maldade e malícia em tudo porque têm esses males arraigados em suas mentes
e corações. Tempos atrás, os alvos prediletos de seus ataques eram escritores
criativos e talentosos, que ousavam tratar em suas obras o ser humano como ele
de fato é.
Quando Eça de Queiroz,
por exemplo, lançou o seu clássico “O crime do Padre Amaro”, foi um escândalo!
Muitos pais “zelosos”, por não permitirem que seus filhos (especialmente as
filhas) conhecessem tamanha “imoralidade”, colocaram em seu “índex” particular
esse romance, atualmente um clássico da literatura em língua portuguesa. Hoje
em dia, contudo, “O crime do Padre Amaro” é considerado um livro até ingênuo. O
mesmo acontece, apenas para continuar na bibliografia do mesmo escritor, com “Primo
Basílio”.
Sempre que menciono
esse exemplo, ouço, invariavelmente, por resposta, dos tais “guardiões da moral
pública”, que alguns livros, esculturas e pinturas devem ser vedados às pessoas
menos esclarecidas, as que consideram “vulneráveis”, que no seu entendimento, por
não terem discernimento, são passivas de imitarem o que é ruim e “condenável”.
Indiretamente, pregam um sistema de castas, em que um indivíduo, que venha a
nascer em determinada camada social, deva permanecer nela até a morte. Embora
neguem enfaticamente, são defensores da censura. Têm, pois, visão paternalista,
ditatorial, policialesca da sociedade, na qual o livre arbítrio de que somos
todos dotados é ignorado e jamais levado em conta.
Os defeitos que vejo
nas telenovelas são outros, que nada têm a ver com moral. Um deles, por exemplo,
(e o mais chato de todos) é a extensão das histórias, que por serem espichadas,
de acordo com a conveniência dos programadores, se tornam maçantes e
repetitivas. Daí o sucesso das minisséries que, estranhamente, são escassas e
ocasionais nas grades de programação das emissoras. A maioria das pessoas não
tem tempo e nem paciência para acompanhar enredos quilométricos, que se
repetem, até por falta de assunto. Repetitiva já é a vida de quem recorre a esse
tipo de entretenimento, para tentar esquecer momentaneamente as agruras do
cotidiano.
Outra falha, muito
comum, está no enfoque de usos e costumes não peculiares ao nosso povo.
Raramente, no entanto, a nossa festa mais popular, o Carnaval, é tratada da
maneira exata como ela é. O futebol, paixão nacional, salvo raras exceções, tem
merecido, apenas, uma ou outra menção casual, como se não estivesse (como está)
entranhado na alma do brasileiro. Quantas coisas mais, características da nossa
forma de ser e de proceder, é omitida nas novelas! São muitas com certea! Como
se vê, tenho restrições, sim, ao gênero, mas não as mesmas dos tais
“moralistas”. Até porque, arte e moral não se misturam ou jamais não deveriam
se misturar.
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