Thursday, November 07, 2013

Maniqueísmo explícito

Pedro J. Bondaczuk

As telenovelas, desde que o gênero começou a se firmar na televisão, sempre geraram polêmicas (e continuam gerando) entre os críticos e os que se arrogam em “guardiões da moral”. Para os primeiros, as propostas temáticas que elas apresentam são tímidas em demasia e esses modernos folhetins dramatizados acabam se transformando nisso mesmo que você pode estar achando. Ou seja, em “historietas água com açúcar”, com uma visão maniqueísta de mundo (a existência tão somente do bem e do mal; os bons são completamente voltados para o bem, sem nenhum traço de maldade e os maus, por sua vez, são totalmente ruins, sem meios termos). O ser humano, todavia, não é assim. Para os críticos do gênero, as novelas não apresentam nada de mais arrojado e mais próximo do que homens e mulheres de fato são e fazem.

No outro extremo situam-se os moralistas, que veem nos vários enredos criados a própria encarnação do “dragão da maldade”. Afirmam que elas disseminam costumes nocivos, dos quais fariam apologia, estimulando a permissividade, sobretudo a sexual, e deseducando, dessa forma, a juventude. Tolice, claro. Da minha parte, entendo que a verdade não está nem com um e nem com o outro lado. Não, pelo menos, integralmente. Para mim, no caso, “a virtude está no meio”.

 É inegável que a maioria das telenovelas (e das novelas em geral, sejam apresentadas como forem, inclusive em livros) peca pela superficialidade. Não vejo isso como característica “sine qua non” do gênero, mas como decisão estritamente pessoal de seus autores, e pelos mais variados motivos: ou por pouca ou inadequada pesquisa, ou por falta de informações ou por temperamento de cada um e vai por aí afora. Os moralistas acusam-nos de usar e abusar do recurso de cenas mais chocantes, de violência gratuita ou de sexo “quase” explícito, o que contraria, visceralmente, a opinião de quem gostaria que as histórias refletissem com maior verossimilhança o que o ser humano de fato é e faz.

Omitir do público agressões (físicas ou morais), hipocrisia, falsidade e toda a sorte de comportamentos moralmente condenáveis, é tentar (se com sucesso ou não são outros quinhentos) aliená-lo da realidade. Não existe o mundo que os “moralistas” gostariam de ver. E muito menos pessoas como os personagens que consideram ideais.As coisas, na prática, não são assim. Que bom seria se fossem! O problema não está em mostrar ou não as mazelas e contradições do mundo. Está na maneira de expô-las, sem “carregar nas tintas”. Até porque, não há necessidade disso, pois a realidade já é feia o suficiente e nada edificante por si só, sem que seja necessário descambar para exageros.

Não conheço nenhuma obra de arte em que violência, sexo, traições, etc.etc.etc. não se façam presentes, ostensivamente ou não. Nem por isso, os livros dos bons escritores deixam de ter o valor que lhes é atribuído. E a realidade, desde que mostrada por artistas talentosos, que entendam, de fato, do seu riscado, embora possa chocar alguns, não deixa de ter utilidade. Aberrações, por exemplo, são estudadas e dissecadas até o âmago, não porque causem prazer, ou devam causar, mas numa tentativa de se chegar às suas origens e cortar o mal pela raiz. E esse exercício está presente em todas as artes.

Cenas de erotismo são chocantes e de péssimo gosto se retratadas por quem não tem sensibilidade artística para fazê-lo, quando, então, descambam para a nojenta pornografia. Mas adquirem outra característica se pintadas pelos magníficos mestres das artes plásticas. Os tais “moralistas” sempre existiram e continuarão existindo. Vêem maldade e malícia em tudo porque têm esses males arraigados em suas mentes e corações. Tempos atrás, os alvos prediletos de seus ataques eram escritores criativos e talentosos, que ousavam tratar em suas obras o ser humano como ele de fato é.

Quando Eça de Queiroz, por exemplo, lançou o seu clássico “O crime do Padre Amaro”, foi um escândalo! Muitos pais “zelosos”, por não permitirem que seus filhos (especialmente as filhas) conhecessem tamanha “imoralidade”, colocaram em seu “índex” particular esse romance, atualmente um clássico da literatura em língua portuguesa. Hoje em dia, contudo, “O crime do Padre Amaro” é considerado um livro até ingênuo. O mesmo acontece, apenas para continuar na bibliografia do mesmo escritor, com “Primo Basílio”.

Sempre que menciono esse exemplo, ouço, invariavelmente, por resposta, dos tais “guardiões da moral pública”, que alguns livros, esculturas e pinturas devem ser vedados às pessoas menos esclarecidas, as que consideram “vulneráveis”, que no seu entendimento, por não terem discernimento, são passivas de imitarem o que é ruim e “condenável”. Indiretamente, pregam um sistema de castas, em que um indivíduo, que venha a nascer em determinada camada social, deva permanecer nela até a morte. Embora neguem enfaticamente, são defensores da censura. Têm, pois, visão paternalista, ditatorial, policialesca da sociedade, na qual o livre arbítrio de que somos todos dotados é ignorado e jamais levado em conta.

Os defeitos que vejo nas telenovelas são outros, que nada têm a ver com moral. Um deles, por exemplo, (e o mais chato de todos) é a extensão das histórias, que por serem espichadas, de acordo com a conveniência dos programadores, se tornam maçantes e repetitivas. Daí o sucesso das minisséries que, estranhamente, são escassas e ocasionais nas grades de programação das emissoras. A maioria das pessoas não tem tempo e nem paciência para acompanhar enredos quilométricos, que se repetem, até por falta de assunto. Repetitiva já é a vida de quem recorre a esse tipo de entretenimento, para tentar esquecer momentaneamente as agruras do cotidiano.


Outra falha, muito comum, está no enfoque de usos e costumes não peculiares ao nosso povo. Raramente, no entanto, a nossa festa mais popular, o Carnaval, é tratada da maneira exata como ela é. O futebol, paixão nacional, salvo raras exceções, tem merecido, apenas, uma ou outra menção casual, como se não estivesse (como está) entranhado na alma do brasileiro. Quantas coisas mais, características da nossa forma de ser e de proceder, é omitida nas novelas! São muitas com certea! Como se vê, tenho restrições, sim, ao gênero, mas não as mesmas dos tais “moralistas”. Até porque, arte e moral não se misturam ou jamais não deveriam se misturar.

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