Saturday, November 09, 2013

Encontro marcado

Pedro J. Bondaczuk

O escritor Fernando Sabino sempre esteve entre os meus prediletos. Tenho, em minha biblioteca, se não me engano, quinze dos seus livros, todos eles lidos e relidos e devidamente grifados nos trechos que mais me chamaram a atenção. Pensando bem, tivemos nossos inícios de carreira parecidos (o que não quer dizer “iguais” e nem “semelhantes”). Ele, por exemplo, quando jovem, foi locutor de rádio. Também fui. Ele cursou Direito. Também cursei. Ele começou a fazer literatura escrevendo crônicas para jornais e revistas. Também comecei. Ele aderiu em certa época da vida ao jornalismo. Também aderi. Mas as coincidências entre nossos inícios de carreira param por aí.

Fernando Sabino foi um dos escritores brasileiros mais prolíficos e importantes do País. Já eu....mesmo setentão, sigo às voltas com empecilhos para publicar meus livros, embora já tenha publicado quatro (mas tenho cerca de vinte na gaveta, servindo de alimento às traças). Pudera! A diferença de talento entre nós é abissal! Nunca tive a pretensão de sequer me comparar a esse escritor por cuja memória nutro mais do que mero respeito ou reverência.

Tenho por Fernando Sabino, sem exagero, genuína veneração. E isso muito antes de ter o privilégio e a ventura de conhecê-lo pessoalmente. Depois que o conheci, a admiração se aprofundou e virou afeto. Passei a considerá-lo como se fosse um parente querido, desses que a gente quer ter sempre ao nosso redor e nos quais depositamos irrestrita confiança. Meu primeiro contato com sua obra deu-se em 1966 – dezessete anos antes nossos caminhos se cruzassem – e ocorreu por acaso (seria casualidade mesmo? Várias vezes me questionei a propósito).

Explico. No citado ano, eu fazia cursinho para prestar vestibular de Medicina (curso que cheguei a iniciar, mas que nunca terminei). Já publicava textos em vários jornais e os amigos eram unânimes em dizer que eu escrevia muito bem. Esses elogios, contudo, não eram gratuitos. Tinham um “preço”. Sempre que alguém do meu círculo de amizades tinha a incumbência de fazer algum trabalho de escola, relacionado a Literatura, invariavelmente recorria aos meus préstimos. Hoje sei que não deveria redigi-los, porquanto o prejuízo era sempre dos amigos, que não tinham noção desse aspecto. Mas eu atendia a todos. Era nota dez na certa.

Estou enrolando e ainda não disse onde Sabino entra nessa história. Entra com o seu livro “Encontro marcado”. Até então, eu não havia lido nada dele, nem suas crônicas em jornais e revistas. Um dos colegas pediu-me que redigisse uma avaliação crítica desse romance, que lhe valeria nota do bimestre na matéria de Português. Resolvi atendê-lo, como fazia com todos que me solicitavam ajuda. Nunca me fiz de difícil quando o assunto é escrever. Apesar de contar com tempo escassíssimo, pois trabalhava e estudava, varando madrugadas sobre os livros e dormindo, em média, quatro horas por noite,  aceitei a tarefa.

Para fazer um texto que prestasse e que garantisse nota dez ao companheiro, óbvio, eu teria que ler o romance, E, antes de lê-lo, teria que adquiri-lo. Foi o que fiz. A primeira leitura, digamos a “recreativa”, fiz em um “único sopro”. O enredo prendeu-me de tal sorte, que só larguei o livro após ler a derradeira linha, e isso quando já amanhecia. Claro que teria que reler com mais vagar, assinalando trechos que considerava mais expressivos. Fiz isso com prazer. Em suma, meu amigo tirou nota dez e ainda recebeu rasgados elogios do mestre, diante de toda a classe.

O que eu ganhei com isso, além da gratidão do colega? Ganhei muito!!! Ganhei tudo!!!. Passei, desde então, a adquirir todos os livros que encontrasse de Fernando Sabino, hábito que ainda não perdi. Só vou parar com isso quando tiver a totalidade da sua vasta obra. Muitos exemplares estão esgotados e só os encontro nos sebos. Certamente continuarei “garimpando” até cumprir meu objetivo de ter todos, sem faltar um único, livros de Fernando Sabino. Sou teimoso, ora bolas!

O lado melhor dessa história refere-se à forma com que nos conhecemos. Nosso primeiro encontro deu-se em 24 de novembro de 1983. Como se vê, lembro-me até da data. Como não lembrar? Ocorreu na redação do Correio Popular de Campinas, jornal onde atuei por vinte memoráveis anos. Sabino havia vindo à cidade para organizar o lançamento do seu livro de crônicas “O gato sou eu”, por aqui. Fomos formalmente apresentados, mas, quinze minutos depois, quem nos visse conversando, não acreditaria que havíamos acabado de nos conhecer. É como se fossemos amigos de longa, longuíssima data, quem sabe de infância. Conversamos por cerca de três horas (sou mesmo incorrigível tagarela). E ambos estouramos nossas respectivas agendas, claro.

Falei-lhe de tudo. Entre as tantas coisas que lhe confidencie, me referi aos livros que havia escrito e que permaneciam na “gaveta” por não encontrar quem se dispusesse a editá-los. Sabino censurou-me por não procurar editora. Ao cabo do nosso papo, quando nos despedimos, com relutância, na portaria do jornal, a última coisa que o consagrado escritor me disse foi que fazia questão de receber um exemplar autografado da minha primeira obra publicada, o que ele previa que ocorreria brevemente.

Depois disso, mantivemos contato por um certo tempo. Sabino tornou-se colunista do nosso jornal e sempre que enviava suas crônicas para a redação, invariavelmente acrescentava uma breve, mas carinhosa, mensagem, endereçada especificamente a mim. E cobrava invariavelmente o meu livro, que teimava, no entanto, em permanecer inédito.

Quando, finalmente, publiquei o “Quadros de Natal”, não pude cumprir minha promessa. Meu ídolo (e amigo, por que não) havia morrido um ano antes, em 2004. Vocês nem imaginam o quanto lamentei não ter podido enviar o primeiro exemplar, autografado, a essa maiúscula figura das letras que, no entanto, nunca perdeu a pureza da criança. Tanto não perdeu, que seu epitáfio diz exatamente isso: “Aqui jaz Fernando Sabino, que nasceu homem e morreu menino”. Do jeito que conheci sua obra, conheci sua pessoa. Minha primeira referência dele foi a leitura do seu romance “Encontro marcado”. E, afinal, o que foi nosso contato pessoal se não um “encontro marcado” pelo acaso? Voltarei, oportunamente, a tratar deste assunto.



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