Sunday, November 03, 2013

A sucessão de Sarney


Pedro J. Bondaczuk


A boa performance dos partidos de oposição ao governo nas eleições municipais do dia 15 de novembro passado levantou, em nível de opinião pública, uma polêmica questão, que na ordem natural das coisas estava prevista para vir a debate apenas na segunda metade de 1987: a sucessão presidencial.

Líderes políticos, como Leonel Brizola, um postulante natural ao Planalto; Luís Inácio da Silva, o Lula, e até alguns setores mais conservadores, como o pedessista governador de Santa Catarina, Espiridião Amin, advogam que o pleito direto para a Presidência deve se realizar já no próximo ano, junto com a escolha dos novos governadores e dos membros da Assembléia Nacional Constituinte.

A Aliança Democrática reage de formas as mais variadas. Alguns de seus dirigentes, mormente do PMDB, afirmam que falar em sucessão agora, “é golpe”. Argumentam que o tema poderia atropelar as eleições mais importantes de todas. Aquela que vai nomear os responsáveis pela elaboração de uma Constituição que seja conforme o figurino do povo. Se conservadora ou progressista, as urnas de 15 de novembro do próximo ano é que vão revelar, de acordo com os constituintes que forem eleitos nessa oportunidade. Essa tese também é defendida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a CNBB, que vislumbra na Constituinte o momento mais importante para o País nas últimas décadas.

Ambições pessoais a parte, ambas as correntes têm lá os seus argumentos fortes. Por exemplo, ninguém desconhece que a maior aspiração do eleitorado brasileiro continua sendo a eleição direta do seu presidente, um dos compromissos mais solenes assumidos pela Aliança Democrática, quando o PMDB e o nascente PFL decidiram, no segundo semestre de 1984, aceitar as regras do jogo sucessório de então, após a derrota da emenda Dante de Oliveira no Congresso e comparecer ao Colégio Eleitoral, para “implodi-lo”.

Nos comícios das mudanças, realizados por todo o País, o povo compareceu em massa e emprestou seu apoio inequívoco a Tancredo Neves. Mas o leitor deve estar lembrado das reservas que o nome do atual presidente enfrentava. E isso não mudou tanto assim.

Na hipótese da fissura que se verificou na coalizão que dá sustentação parlamentar ao governo nos recém findos pleitos municipais se alargar e se transformar em rombo, produzindo, em conseqüência, uma avalanche, José Sarney corre o risco de ficar sem maioria no Congresso para cumprir o restante do mandato.

E de não contar com grande respaldo da própria população. Essa possibilidade não é tão remota quanto querem dar a entender. Tal argumento é também um dos principais daqueles que pregam que um novo presidente deve ser eleito já em 1986, junto com a Assembléia Nacional Constituinte.

Há, entretanto, inúmeros inconvenientes que precisam ser ponderados. O primeiro deles, e o mais importante de todos, é que os responsáveis pela elaboração da futura Constituição ficariam, caso isso se verificasse, com sua liberdade tolhida. Afinal, são eles que vão fixar a natureza do novo regime, a forma de escolha dos governantes e o prazo de duração dos respectivos mandatos.

Começando seus trabalhos junto com um novo presidente eleito, estariam sendo pressionados, “a priori”, a optar pelo presidencialismo e a conceder de quatro a seis anos de governo para o mandatário. A Constituinte, dessa forma, deixaria de ser aquilo que todos desejamos que seja: livre e soberana.

Por exemplo, se a Assembléia decidir que a melhor forma de gestão para o País é o Parlamentarismo (tendência que vai ganhando corpo, tanto entre os possíveis postulantes do futuro Congresso, como em toda a sociedade), como conciliar essa decisão com as atribuições do novo presidente, eleito ainda sob a atual Constituição autoritária?

E o detalhe mais importante é que para acontecer um pleito presidencial (direto ou indireto) em 1986, a atual Carta Magna terá que ser emendada. Para isso, a tese das “Diretas já” terá que contar com dois terços do atual Congresso. Convenhamos, isso, no quadro político de hoje, não passa de mera fantasia.

A própria opinião pública, majoritariamente, entende que a Constituinte é que deve fixar o limite do mandato do presidente José Sarney, além de outras questões relativas como: em que ocasião a eleição presidencial deve ser realizada, quais as atribuições do futuro governante (se amplas, como agora, durante o regime Presidencialista, ou meramente protocolares, como no Parlamentarismo), além da possibilidade ou não de reeleição e assim por diante.

Á futura Assembléia, portanto, deve ser dada liberdade completa. Abrir a corrida em direção ao Planalto, neste momento, pode significar um profundo retrocesso político. Equivalerá a “passar o carro na frente dos bois”, paralisando, por conseqüência, a marcha da sociedade rumo às mudanças que tanto desejamos, que já estão tardando demais, mas que precisam ser realizadas com ordem e com muita competência.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 1º de dezembro de 1985).


Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk             

No comments: