A sucessão de Sarney
Pedro J. Bondaczuk
A boa performance dos
partidos de oposição ao governo nas eleições municipais do dia 15 de novembro
passado levantou, em nível de opinião pública, uma polêmica questão, que na
ordem natural das coisas estava prevista para vir a debate apenas na segunda
metade de 1987: a sucessão presidencial.
Líderes
políticos, como Leonel Brizola, um postulante natural ao Planalto; Luís Inácio
da Silva, o Lula, e até alguns setores mais conservadores, como o pedessista
governador de Santa Catarina, Espiridião Amin, advogam que o pleito direto para
a Presidência deve se realizar já no próximo ano, junto com a escolha dos novos
governadores e dos membros da Assembléia Nacional Constituinte.
A
Aliança Democrática reage de formas as mais variadas. Alguns de seus
dirigentes, mormente do PMDB, afirmam que falar em sucessão agora, “é golpe”.
Argumentam que o tema poderia atropelar as eleições mais importantes de todas.
Aquela que vai nomear os responsáveis pela elaboração de uma Constituição que
seja conforme o figurino do povo. Se conservadora ou progressista, as urnas de
15 de novembro do próximo ano é que vão revelar, de acordo com os constituintes
que forem eleitos nessa oportunidade. Essa tese também é defendida pela
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a CNBB, que vislumbra na
Constituinte o momento mais importante para o País nas últimas décadas.
Ambições
pessoais a parte, ambas as correntes têm lá os seus argumentos fortes. Por
exemplo, ninguém desconhece que a maior aspiração do eleitorado brasileiro
continua sendo a eleição direta do seu presidente, um dos compromissos mais
solenes assumidos pela Aliança Democrática, quando o PMDB e o nascente PFL
decidiram, no segundo semestre de 1984, aceitar as regras do jogo sucessório de
então, após a derrota da emenda Dante de Oliveira no Congresso e comparecer ao
Colégio Eleitoral, para “implodi-lo”.
Nos
comícios das mudanças, realizados por todo o País, o povo compareceu em massa e
emprestou seu apoio inequívoco a Tancredo Neves. Mas o leitor deve estar
lembrado das reservas que o nome do atual presidente enfrentava. E isso não
mudou tanto assim.
Na
hipótese da fissura que se verificou na coalizão que dá sustentação parlamentar
ao governo nos recém findos pleitos municipais se alargar e se transformar em
rombo, produzindo, em conseqüência, uma avalanche, José Sarney corre o risco de
ficar sem maioria no Congresso para cumprir o restante do mandato.
E
de não contar com grande respaldo da própria população. Essa possibilidade não
é tão remota quanto querem dar a entender. Tal argumento é também um dos
principais daqueles que pregam que um novo presidente deve ser eleito já em
1986, junto com a Assembléia Nacional Constituinte.
Há,
entretanto, inúmeros inconvenientes que precisam ser ponderados. O primeiro
deles, e o mais importante de todos, é que os responsáveis pela elaboração da
futura Constituição ficariam, caso isso se verificasse, com sua liberdade
tolhida. Afinal, são eles que vão fixar a natureza do novo regime, a forma de escolha
dos governantes e o prazo de duração dos respectivos mandatos.
Começando
seus trabalhos junto com um novo presidente eleito, estariam sendo
pressionados, “a priori”, a optar pelo presidencialismo e a conceder de quatro
a seis anos de governo para o mandatário. A Constituinte, dessa forma, deixaria
de ser aquilo que todos desejamos que seja: livre e soberana.
Por
exemplo, se a Assembléia decidir que a melhor forma de gestão para o País é o
Parlamentarismo (tendência que vai ganhando corpo, tanto entre os possíveis
postulantes do futuro Congresso, como em toda a sociedade), como conciliar essa
decisão com as atribuições do novo presidente, eleito ainda sob a atual
Constituição autoritária?
E
o detalhe mais importante é que para acontecer um pleito presidencial (direto
ou indireto) em 1986, a atual Carta Magna terá que ser emendada. Para isso, a
tese das “Diretas já” terá que contar com dois terços do atual Congresso.
Convenhamos, isso, no quadro político de hoje, não passa de mera fantasia.
A
própria opinião pública, majoritariamente, entende que a Constituinte é que
deve fixar o limite do mandato do presidente José Sarney, além de outras
questões relativas como: em que ocasião a eleição presidencial deve ser
realizada, quais as atribuições do futuro governante (se amplas, como agora,
durante o regime Presidencialista, ou meramente protocolares, como no
Parlamentarismo), além da possibilidade ou não de reeleição e assim por diante.
Á
futura Assembléia, portanto, deve ser dada liberdade completa. Abrir a corrida
em direção ao Planalto, neste momento, pode significar um profundo retrocesso
político. Equivalerá a “passar o carro na frente dos bois”, paralisando, por
conseqüência, a marcha da sociedade rumo às mudanças que tanto desejamos, que
já estão tardando demais, mas que precisam ser realizadas com ordem e com muita
competência.
(Artigo
publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 1º de dezembro de 1985).
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