Wednesday, March 22, 2017

Vidros e diamantes



Pedro J. Bondaczuk


O mesmo povo que consagrou o presidente afastado Fernando Collor, nas urnas, em 1989, conferindo ao ex-governador de Alagoas, no segundo turno eleitoral, mais de 35 milhões de votos, o tirou do poder, mediante irresistível pressão sobre os congressistas, depois que veio à tona o chamado “Escândalo PC Farias”.

É claro que os políticos tentaram polarizar o fato em seu favor. Ao votarem o impeachment, porém, não fizeram mais do que a sua obrigação. São pagos para isso e para muito mais, como elaborar leis justas, racionais e necessárias.

Os acontecimentos dos últimos meses trouxeram à baila de novo as alegações já tão conhecidas de que o brasileiro não sabe votar. Enganos com homens públicos não ocorrem, todavia, só por aqui. Nos Estados Unidos, por exemplo, Richard Nixon teve que renunciar no início do seu segundo mandato para não passar pela humilhação do impeachment.

Uma ligeira pesquisa mostrará equívocos tão grandes, ou maiores, do eleitorado em países como o Japão, a França, a Alemanha e vai por aí afora. Adolf Hitler, por exemplo, conseguiu consagradora vitória nas urnas. E não é preciso reportar que tipo de político ele foi.

A respeito de enganos bem-intencionados, o padre Antônio Vieira tem um trecho de sermão que é lapidar. Diz: “Quem estima vidros, cuidando que são diamantes, diamante estima e não vidros; quem ama defeitos, cuidando que são perfeições, perfeições ama e não defeitos. Cuidai que amais diamantes de firmeza e amais vidros de fragilidade; cuidais que amais perfeições angélicas e amais imperfeições humanas. Logo, os homens não amam o que cuidam que amam. Donde também se segue que amam o que verdadeiramente não há; porque amam as coisas, não como são, senão como as imaginam; e o que se imagina, e não é, não o há no mundo”.

O Collor, que o brasileiro elegeu como diamante, era, na verdade, vidro. O “caçador de marajás” tão apregoado durante a campanha, com tanta convicção que convenceu mais de 35 milhões de pessoas, era o “protetor” dessas figuras cínicas.

O povo não votou, pelo menos na intenção, em alguém que investiu em seu jardim particular dinheiro suficiente para construir centenas de escolas bem-equipadas. Deu seu voto, de boa fé, a quem posava como paradigma da modernidade e da moralidade.

Admitindo-se, porém, que o brasileiro, de fato, ainda não saiba votar, a legislação eleitoral também é inadequada, por permitir candidaturas de quem não satisfaz a mínima exigência ética para estar na vida pública. Um cheque sem fundos, tão logo é recebido, a priori não traz estampado, logicamente, que é “frio”.

Quem o recebe só vai perceber o engodo em que caiu no momento de sacar. O que ocorreu com o eleitorado foi exatamente isso: um monumental estelionato eleitoral. A população, para usar uma linguagem bem popular, “comprou gato por lebre”.

Amando diamantes, projetou esse amor em vidros. Buscando escolher a probidade, a firmeza, a austeridade, acabou por optar pelo oposto. Daí ser legítima a sua ira e justa a sua exigência de que os votos dados tão generosamente de boa-fé fossem cassados e através de meios legais, ou seja, mediante os seus representantes no Congresso.     

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 3 de outubro de 1992)


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