Espécie
de eternidade
Pedro J.
Bondaczuk
“O
tempo é indivisível. Dize, qual o sentido do calendário?”. É com este verso, e
com esta indagação, que o poeta Mário Quintana abre o seu memorável “Pequeno
poema didático”. Se há um período oportuno para esse tipo de reflexão – entendo
que qualquer um o seja – é este, quando mais um ano, novinho em folha, está a
nos desafiar, embora já caminhando para completar o primeiro trimestre (puxa,
já!!!!)..
Reitero
a pergunta de Quintana: “Qual o sentido do calendário?”. Na vida que costumamos
denominar de “prática”, do comércio, indústria e das relações comezinhas do dia
a dia, até que tem lá sua utilidade. Serve, por exemplo, para determinar
prazos: de produção, de entrega, de pagamento, de recebimento etc. Só isso, ou
quase isso.
Acho,
todavia, tremenda bobagem julgar a competência e produtividade de uma pessoa
pelo número de anos que viveu. Estivesse ao meu alcance, eu aboliria essa
prática de se contabilizar a idade. Não vejo a menor utilidade nisso e esse
costume apenas alimenta o preconceito de quem viveu menos contra quem viveu
mais.
O
que importa, queiram ou não, não são os anos vividos, mas a qualidade dessa
vivência. Ademais, quem é jovem hoje, amanhã estará em idênticas condições
daqueles que hoje tentam ridicularizar. Essa história de considerar uma pessoa,
com mais de 65 anos, como da “Terceira Idade”, é de uma estupidez sem tamanho.
Competência,
sabedoria e criatividade não é questão cronológica, e nem de raça, cor ou sexo.
Ou a pessoa tem, ou não tem. Ademais, ninguém sabe, tenha quantos anos tiver –,
quer sejam dois, quer sejam cem – quanto tempo ainda lhe resta neste mundo.
Isto, supondo que exista um outro, do que ninguém tem a mínima certeza.
Especula-se muito a respeito, mas certo, certo mesmo, ninguém está. Se disser
que está, mente!
A esse propósito,
li, por estes dias, este bombástico (e incômodo) trecho do “Sermão da Quinta
Dominga do Advento”, que o Padre Antônio Vieira proferiu em 1650, na Capela
Real, em Lisboa sobre o qual já comentei em outros textos: “Quantos anoiteceram
e não amanheceram! Quantos se deitaram à noite, e não se levantaram pela manhã!
Quantos postos à mesa os afogou um bocado! Quantos indo por uma rua os sepultou
uma ruína! A quantos levou uma bala não esperada! Quantos endoideceram de
repente! A quantos veio a febre junta com o delírio! A quantos um espasmo, a
quantos uma apoplexia, a quantos infinitos acidentes, que, ou tiram o uso da
razão, ou a vida! Todos estes cuidavam que haviam de morrer de uma morte
ordinária, como vós cuidais: e quem vos deu a vós certeza de que vos não há de
suceder o mesmo?”. Terrível indagação desse sacerdote clarividente e um dos
maiores estilistas de língua portuguesa! E ele está errado? Claro que não!
Muitos,
certamente, erguerão o dedo em riste e me apontarão, acusadoramente, dizendo
que “este não é o momento desse tipo de consideração. É um tempo de festas e de
alegria e blá-blá-blá, blá-blá-blá, blá-blá-blá”. Pelo contrário, é justamente
esta a melhor ocasião para refletirmos a respeito, para que nunca esqueçamos,
do alto da nossa arrogância, prepotência e presunção, que somos humanos, efêmeros,
mortais e perecíveis. E que a mera contagem do tempo não nos assegura nenhuma
vantagem (ou desvantagem) em relação a ninguém. É inútil naquilo que importa.
Mário
Quintana, no poema acima citado, afirma:
“A
vida é indivisível. Mesmo
a
que se julga mais dispersa”.
E
conclui:
“Todas
as horas são horas extremas...
E
todos os encontros são adeuses”.
Daí
a necessidade de valorização do tempo. Ele não pode e não deve ser desperdiçado
com inutilidades, banalidades e mesquinharias, sob pena de nos tornarmos pesos
mortos para nós mesmos e para o mundo. Trata-se do nosso mais precioso capital,
que devemos aplicar com sabedoria e bom-senso. Não admite desperdícios.
O
mesmo Quintana, em crônica publicada no jornal “Correio do Povo”, de Porto Alegre,
observa: “Idades só há duas: ou se está vivo ou morto. Neste último caso a
idade é demais, pois foi nos prometida a Eternidade”. A esse último propósito,
peço licença ao leitor para citar esta observação de R. Niklaus, reproduzida no
livro “Silêncio e Ruído – A Sátira em Denis Diderot ”, do filósofo Roberto Romano: “O presente, o passado e o
futuro nada mais são do que a soma do mundo que se torna um com a eternidade.
Mesmo para nós, há uma espécie de eternidade”. Indago: “será que há, de fato?”
Haverá, mas apenas se soubermos o que fazer, não
somente com os 365 dias de 2017 que temos (e espero que tenhamos mesmo todos
eles) pela frente, mas com todo o tempo que nos restar. Haverá se encararmos
esta fascinante aventura, que é a vida, com seriedade e estivermos cônscios do
nosso papel, porquanto, poderemos tanto marcar nosso nome para sempre na
memória das gerações, quanto ser esquecidos míseros dias após encerrarmos de
vez nossa jornada pelo mundo. A escolha é somente nossa! Felizmente...
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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