Líder
sem nada de ditador
Pedro J. Bondaczuk
A
personalidade do presidente soviético, Mikhail Gorbachev, suas idéias, o vigor
com que ele as defende, enfim, sua figura controvertida, porém simpática,
apaixonam a opinião pública. Falar ou escrever a seu respeito com absoluta
isenção chega a ser quase impossível.
Seu
povo, por exemplo, atribui-lhe todas as dificuldades pelas quais está passando,
como se elas não existissem há muito tempo. É como se alguém quisesse culpar o
repórter que informou acerca de um devastador terremoto pela ocorrência do
abalo sísmico. No outro extremo, em geral do Exterior, há os que defendem
Gorbachev com vigor, mesmo discordando de suas idéias.
No
âmbito internacional, o principal pecado que seus críticos vêem no presidente soviético
é o fato dele não aceitar que qualquer República se torne independente da União
Soviética. Mas quem permite isso pacificamente? Qual seria a reação do
presidente George Bush se o Texas proclamasse a independência; ou de Helmut
Kohl se a Renânia fizesse o mesmo; ou como está agindo a Grã-Bretanha em
relação às pretensões da Irlanda do Norte?
Muitos
argumentam com o fato de que a anexação dos Estados bálticos ocorreu em
conseqüência de um pacto indecente --- por sinal amplamente violado pelas duas
partes --- entre os ditadores Adolf Hitler e Joseph Stalin. Mas quantas
incorporações territoriais ao longo da história não foram feitas através de
ações tão ou mais imorais do que esta e acabaram caindo no esquecimento?
Os
adversários de Gorbachev --- e mesmo vários de seus admiradores no Ocidente ---
vêem com apreensão os incidentes repressivos de janeiro passado em Vilnius,
oportunidade em que 14 lituanos foram mortos, durante ocupação de rede
retransmissora de televisão da cidade, por parte de tropas de elite do
Ministério do Interior soviético, os temidos "Boinas Negras", uma
versão sovietizada dos "Green Berets" norte-americanos. Não se pode
deixar de lamentar esse fato. Todavia, afirmar que há uma ampla repressão na
União Soviética atual é querer distorcer a verdade.
Qual
estadista contemporâneo ocidental, ou de qualquer outra parte do mundo, já
enfrentou com tamanha paciência uma greve, como a dos mineiros de carvão da
Ucrânia e da Sibéria, de seis semanas de duração, feita principalmente para
exigir sua renúncia? E ninguém ouviu falar de nenhuma intervenção militar nos
sindicatos independentes, de prisões de líderes grevistas ou de ameaças de
demissão em massa.
O
mesmo Gorbachev, duramente criticado pelos incidentes de Vilnius, foi acusado
de inércia por pseudoliberais quando do conflito étnico entre azerbaijenses e
armênios, em fevereiro de 1990, por causa do enclave de Nagorno-Karabach. E as
tropas somente foram mobilizadas quando a situação não tinha mais jeito, estava
descambando para uma guerra civil.
Quantos
estadistas enfrentariam com paciência e compreensão a vaia que Gorbachev
recebeu em 1º de maio de 1990, na Praça Vermelha de Moscou, durante o desfile
do Dia do Trabalho? O presidente soviético, todavia, compreendeu e aceitou como
lição o desabafo popular.
E
a manifestação e a conseqüente reação do líder do Cremlin chegaram a merecer,
dois dias depois, comentários elogiosos de George Bush, que disse: "Há
descontentamento na União Soviética. Mas houve um lado bom no tumulto. É assim
que as democracias nascentes funcionam e se desenvolvem. Esse tipo de oposição
surge com a democracia. Os soviéticos estão aprendendo".
(Artigo
publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 17 de abril de
1991).
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