O sábio e o erudito
Pedro J. Bondaczuk
A busca pela sabedoria, e não pelo acúmulo de bens
materiais (objetivo da maioria, salvo raras exceções, nos quase treze milênios
de civilização) deveria ser o ideal do ser humano. Mas não é. Compete a cada
geração dar a sua contribuição para o avanço do homem rumo à racionalidade
total, cumprindo seu papel fundamental na vida, que é o de ser parte (por
ínfima que seja) da evolução ininterrupta da espécie. Ou seja, de elo
inquebrantável na cadeia evolutiva, que garanta à descendência, em um futuro
medido em centenas de milênios, não só a mera existência física, mas esta com
"qualidade".
Para isso acontecer, cada indivíduo (não importa a
nacionalidade, sexo, raça ou cor) deve ser educado (não meramente instruído)
para raciocinar, entender, colaborar e criar. A educação tem sido encarada de
maneira equivocada, em um sentido meramente utilitarista, como
"adestramento" e não desenvolvimento de potencialidades. Faz de cada
pessoa mera peça de uma poderosa engrenagem
(não importa se rústica ou sofisticada, se plebéia ou elitizada) comprometida
com ideologias ou interesses hegemônicos grupais. Mas o homem não é máquina. É
vivo. Raciocina. Tem capacidade de distinguir o bem do mal (quando preparado
para tal).
Vidas são desperdiçadas, como se nada valessem,
porque sua racionalidade não é exercida, sequer minimamente. Os
"excluídos" (a maioria) não foram preparados para esse exercício. São
tratados não como homens, mas como uma "subespécie" animal, um
estágio intermediária entre o hominídeo e o "homo sapiens", uma aberração da natureza. E é como se sentem
e agem. E como acabam se tornando.
É comum confundir-se o sábio com o apenas erudito ou
com o que se diz "inteligente".
São conceitos diferentes, não sinônimos, embora a diferença seja sutil
para que os despreparados, dados a generalizações (para as quais foram
treinados no lar, na escola e na sociedade), a percebam. Sabedoria só se obtém
com experiência. É o clímax da racionalidade. É criativa, dinâmica e sobretudo
participativa. Inteligência, por sua vez, é a mera capacidade de uma pessoa
entender conceitos abstratos e as coisas que a rodeiam (do latim
"inteligere"). Se não aplicada, pouco ou de nada vale para o
indivíduo e para a coletividade. Já o erudito, é o que acumula conhecimentos.
Quase sempre, porém, esse acúmulo é apenas teórico. Se não souber o que fazer
com o que acumulou, pouca valia lhe terá esse acervo.
Albert Einstein constatou que "o homem erudito
é um descobridor de fatos que já existem --- mas o homem sábio é um criador de
valores que não existem e que ele faz existir". Não há, e nem pode haver,
aquele que tudo conheça. O universo é vasto demais (e o ser humano ínfimo e
efêmero) para que a chave do mistério da natureza seja encontrada e abra as
portas da razão absoluta. O raciocínio metódico e disciplinado permite ao homem
que vislumbre "reflexos" distorcidos (como os da caverna de Platão)
da essência do conhecimento.
O século XX terminou e o XXI começou com um
progresso tecnológico sem precedentes. Os meios de transporte como o avião, o
navio a vapor, o trem e o automóvel tornaram possível o deslocamento de
pessoas, de uma parte a outra do mundo, em horas, quando até recentemente se
fazia em dias, semanas e meses, quando não em anos. A medicina
possibilita a crescente ampliação do tempo de vida do homem, curando doenças há
pouco consideradas incuráveis e prometendo prevenir o mal na própria raiz,
"consertando" genes defeituosos antes mesmo do nascimento.
A robótica, virtualmente, acabou com as tarefas
penosas, cansativas ou repetitivas dos operários, o que possibilitou produção
em massa de bens que vieram facilitar a vida c cotidiana de milhões de
indivíduos. Paradoxalmente, no entanto, suprimiu seus empregos, deixando
multidões sem recursos para adquirir o que é produzido. Dois terços da humanidade
ainda não podem satisfazer sequer
necessidades básicas, como alimento, moradia, medicamento e instrução fundamental
(alfabetização). As comunicações instantâneas (através da televisão via
satélite, Internet, telefone celular, etc.) pulverizaram distâncias e permitem,
hoje, que todos se informem sobre o que ocorre em qualquer parte do Planeta,
simultaneamente aos acontecimentos. No entanto, parcela considerável dos
habitantes da Terra sequer tem acesso às primeiras letras, à margem da vida.
Abundam, hoje em dia, os eruditos. Quanto aos sábios... Bem, a carência é
catastrófica e crescente...
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