Atrapalhação
mútua
Pedro J.
Bondaczuk
O bom relacionamento entre as pessoas, aquele sadio
e respeitoso, em que cada uma das partes acate e compreenda as opiniões e
interesses antagônicos e conflitantes um do outro, sem abrir mão do próprio
ponto de vista, é muito mais complicado do que possa parecer. Constitui-se, na
verdade, em uma arte e das mais complexas. Para se concretizar, depende de uma
série de variáveis, entre as quais as respectivas personalidades, o nível de
educação, as circunstâncias e vai por aí afora.
Se esse bom relacionamento é tão complicado entre
pessoas do mesmo nível (principalmente entre parentes), imaginem quando se
trata de nações! Daí não serem tão surpreendentes assim os inúmeros conflitos e
as freqüentes tensões pessoais e internacionais que pipocam a toda a hora na
imprensa.
Tudo isso, todavia, nos passa uma impressão bastante
negativa da nossa espécie e subtrai, ou pelo menos diminui, as nossas
esperanças de um mundo de paz, justiça e bondade, em que prevaleçam o amor e o
respeito mútuos. Esse é o sonho dos idealistas, das pessoas que querem fazer a
diferença e construir.
Quem nunca ouviu, ou nunca disse, em tom de
desabafo, ao tomar conhecimento pela imprensa de notícia sobre um novo crime
bárbaro, ou sobre qualquer outro tipo de atrocidade, de corrupção ou de
injustiça, a afirmação de que “a humanidade está perdida!”?
De fato, o mundo anda de mal a pior (ou nos parece
que ande) e não é de hoje. Assassinatos, guerras, agressões e toda a sorte de
violência abundam nos noticiários veiculados, praticamente, o dia todo pelos
meios de comunicação. Em termos qualitativos, porém, esse quadro sombrio não é
nada diferente do que ocorria em séculos anteriores. As gerações que nos
antecederam foram tão ou mais violentas, corruptas, agressivas e bárbaras que a
atual.
O aumento se deu em termos quantitativos, o que
seria até lógico de se esperar. Afinal, o século XIX terminou com o mundo
abrigando uma população que mal chegava aos dois bilhões de habitantes. Hoje,
somos mais de 7,5 bilhões nos digladiando por espaço e pela satisfação de
nossos interesses, ambições e necessidades, não raro conflitantes.
Ademais, há muito mais acesso às informações do que
nos séculos precedentes. Os veículos de comunicação contam, hoje, com recursos
tecnológicos tidos e havidos, até, como impossíveis de serem criados há não
muito tempo.
Imagine, por exemplo, se você falasse, há apenas
cinqüenta anos, ao seu avô, que um dia haveria um telefone sem fio, pelo qual
você poderia se comunicar, a qualquer momento e lugar, com qualquer pessoa no
mundo, estivesse onde estivesse, e instantaneamente! E mais, que com esse mesmo
aparelhinho você poderia tirar fotografias, ouvir músicas etc.etc.etc. Ele
ficaria, no mínimo, preocupado. Acharia que você fantasiava demais, quando não
duvidaria da sua sanidade mental, o encaminhando de imediato para o consultório
de algum especialista, psicólogo, psiquiatra, quando não direto para algum
manicômio. No entanto... O telefone celular é, hoje, um objeto corriqueiro e
considerado até banal. Até moradores de rua já têm acesso a ele.
A evolução de recursos, por sua vez, implicou na
multiplicação de empresas voltadas à comunicação. Temos, hoje, uma infinidade
de jornais, revistas, emissoras de rádio e de televisão em praticamente todos
os países do mundo e, sobretudo, contamos com a internet, esquadrinhando cada
milímetro do Planeta à cata de notícias, que se transformaram em produto de
excelente cotação. Essa profusão de informações, porém, nos distorce a
realidade (o que, convenhamos, não causa a menor surpresa) e faz o mundo
parecer bem pior do que é.
Por motivos óbvios, não me oponho a essa enxurrada
de notícias. Só defendo que as empresas se preocupem, também, com a
interpretação e com a contextualização do que informam. Claro que o senso
crítico aguçado é útil e até necessário a cada um de nós. Trata-se, na verdade,
de uma tentativa mínima de exercício da cidadania e de formar consciência
coletiva, que contribua para reduzir e atenuar esses males, tão familiares e
sobejamente conhecidos, na impossibilidade de acabar com eles.
Mas somente isso não basta. Criticar é fácil,
cômodo, mas geralmente inócuo. É necessário que essa indignação que as notícias
nos despertam venha acompanhada de atos, de atitudes práticas, concretas e constantes
para melhorar o mundo. E não é, salvo exceções, o que ocorre via de regra.
Ademais, culpar a “humanidade” pelo que de ruim
acontece, além de se tratar de irresponsável generalização, é uma atitude
injusta. Há muita, muitíssima gente boa empenhada em assegurar, com sua ação
anônima, com seu trabalho dedicado e responsável e com sua capacidade, a
normalidade na vida cotidiana da sua coletividade.
Por isso, concordo, sem restrições, com Máximo Gorki
que, no conto “Konovalóv”, expressou, pela boca de um dos personagens, sua
perplexidade face esse comportamento comodista e negativo da chamada “maioria
silenciosa”: “Como é possível que nós nos queixemos sempre da humanidade,
quando também somos seres humanos? Se os outros atrapalham a nossa vida, isso quer
dizer que também atrapalhamos a vida de alguém...”, concluiu o escritor russo,
com irretorquível lógica. E não é o que acontece?! Tolerância mutua é, pois, o
ingrediente que mais falta faz para o bom relacionamento, sadio, ético e
respeitoso, quer entre pessoas, quer entre nações.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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