Thursday, March 23, 2017

Pigmalião ameaçado


Pedro J. Bondaczuk


O Parlamento da República da Rússia fez, ontem, sério desafio ao poder central, ao aprovar uma medida considerando as leis russas superiores às nacionais dentro de seu território. É evidente que a decisão representou o primeiro passo para a reivindicação da soberania completa em relação à União Soviética.

Foi isso o que fizeram, por exemplo, os legisladores dos Estados bálticos, Lituânia, Letônia e Estônia, antes de declararem, unilateralmente, sua independência de Moscou. Quanto a essas unidades federativas, embora o presidente Mikhail Gorbachev tentem fazer com que revoguem as medidas secessionistas (por contrariarem a Constituição da URSS), o dirigente até admite que elas venham, a médio prazo, a se separar da Federação.

Mas e a Rússia? É possível, viável ou plausível sua separação? Caso esta República venha a tomar essa atitude, será o fim da União Soviética! Se isso acontecer, o maior império já formado no mundo em todos os tempos estará desfeito, ou, pelo menos, desfigurado.

Restarão à União republiquetas miseráveis, problemáticas, onde vivem etnias que nutrem histórico rancor umas pelas outras. Mikhail Gorbachev não terá para quem implantar a sua perestroika. Afinal, a Rússia tem dois terços do território da atual superpotência do Leste, detém muito mais da metade da sua riqueza e abriga 52% dos 285 milhões de habitantes do país.

Pode-se dizer, sem menosprezo aos demais Estados, que ela, virtualmente, é a União Soviética. As outras 14 Repúblicas não passam de meros apêndices. Para complicar ainda mais as coisas, a segunda República em importância da Federação, a Ucrânia, que já chegou a ser um país independente (posto que por pouco tempo, logo após a assinatura do Tratado de Brest-Litovsk, de 1918) não esconde de ninguém as suas aspirações autonomistas.

Isto sem contar a Geórgia, a Moldávia (que os romenos reivindicam) e o Azerbaijão (que sonha em se fundir com a sua outra parte, a pertencente ao Irã). Pode parecer uma dolorosa ironia, mas foi o próprio presidente Mikhail Gorbachev, com a sua larga visão de futuro, que propiciou essa situação, ao lançar a glasnost e a perestroika.

Evidentemente, sua intenção não foi esta, mas a de fortalecer a União e tornar a URSS também superpotência econômica, já que militarmente ela o é. Todavia teve, ou está tendo (ou pelo menos caminha para ter) o mesmo destino do mítico Pigmalião  Erigiu uma estátua tão perfeita, que esta adquiriu vida. Apaixonou-se perdidamente por sua obra, por essa verdadeira Galatéia política. Só que a criatura conquistou personalidade própria e agora está na iminência de destruir o criador..     

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 9 de junho de 1990).


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