Friday, March 31, 2017

Os grandes perdedores



Pedro J. Bondaczuk


O cientista político italiano Norberto Bobbio afirmou, numa entrevista, que “a democracia é o estado no qual a luta contra o abuso de poder é travada paralelamente em duas linhas: contra o abuso de poder que parte do alto em nome do poder que vem de baixo, e contra o poder concentrado, em nome do poder distribuído”. A citação vem a propósito de uma notícia dando conta de que, em 1993, o governo e o setor financeiro lucraram US$ 21,7 bilhões com a inflação.

Tal constatação desmente as afirmações de ministros e de políticos em épocas de campanha de que todos perdem com essa disfunção econômica, concentradora de renda. Do montante citado, US$ 12,8 bilhões foram para os cofres do Tesouro, enquanto os restantes US$ 8,9 bilhões desse lucro couberam aos bancos.

O deputado e ex-ministro Delfim Netto costuma citar, freqüentemente, um princípio lógico, que embora óbvio, nem todos se dão conta. O de que, sempre que alguém lucra, certamente, outro alguém saiu perdendo. E quem perdeu, neste caso, com a inflação?

Um levantamento do Banco Central responde a esta questão. O referido relatório revela que mais de 59% da população brasileira não tem acesso sequer à caderneta de poupança como forma de proteger seu dinheiro da corrosão inflacionária. Estes, que somam 115 milhões de habitantes com mais de 10 anos de idade, os grandes perdedores.

Os titulares das 47,2 milhões de contas, que constituía, em 1993, o universo dos poupadores, se não lucraram, pelo menos não tiveram perdas. Outro aspecto a considerar é o fato de uma inflação baixa nem sempre significar justiça social. O combate às altas taxas inflacionárias deve vir acompanhado de medidas tendentes a gerar empregos à população.

Exemplo atual são os casos do México e da Argentina, países que nos últimos dias estiveram às voltas com sangrentos conflitos. Os mexicanos obtiveram, em 1993, índices notáveis, fechando o ano com um acumulado anual de apenas 5%. Todavia, 20% dos seus trabalhadores estão desempregados.

Os argentinos emplacaram uma inflação de 7% no ano passado. Porém, 10% da sua população não tem trabalho e o país ostenta um nível de empobrecimento de 30%. Combate à inflação e justiça social, portanto, devem andar lado a lado na promoção do desenvolvimento.  

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 14 de janeiro de 1994)


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