Monday, March 13, 2017

Tribo tem liderado todas rebeliões



Pedro J. Bondaczuk


O povo curdo, embora tenha ascendido às manchetes dos grandes jornais do mundo a partir de abril passado, quando esteve ameaçado de ser massacrado pelas tropas leais a Saddam Hussein, depois do seu fracassado levante, ao término da guerra do Golfo Pérsico, é pouco conhecido em sua maneira de viver.

Seus costumes, lendas e tradições, riquíssimos, por serem multimilenares, começam, agora, a despertar as atenções. Ainda assim, diminuíram bastante de interesse, tão logo a etnia foi salva de um possível genocídio pela providencial ajuda ocidental, em especial dos Estados Unidos, da França e da Grã-Bretanha.

Uma das tribos curdas mais fascinantes de se estudar é a dos jesidas, que se concentra ao redor da cidade iraquiana de Mosul. É dela que saem os chamados “peshmercas”, guerrilheiros que há séculos vêm combatendo turcos, ingleses, iraquianos e persas, para conquistar sua própria pátria.

A revista “Eu Sei Tudo”, que circulou entre 1916 e meados da década de 1950 e que teve muita popularidade no Brasil, dedicou várias matérias a esse grupo. Uma foi na edição de dezembro de 1932 e outra, por exemplo, na de julho de 1939.

A despeito do avanço nas comunicações mundiais, os jesidas mantêm-se isolados nas montanhas, cultivando suas tradições, praticando sua estranha religião, preservando intacta a língua curda e conservando seus costumes, nem sempre bem-compreendidos.

Eles são considerados pelos etnólogos como o mais belo e bravo dos povos que habitam as montanhas entre a Turquia e o Mar Cáspio, na União Soviética. Dessa tribo saíram virtualmente os chefes de todas as revoltas já promovidas pelos habitantes do Curdistão através dos tempos.

O autor de uma das matérias da revista “Eu Sei Tudo”, intitulada “Uma Religião Alucinante”, que não assinou o texto, publicado na edição de dezembro de 1932, escreveu a respeito dos jesidas: “São tão bravos, que em uma das últimas revoltas (a de 1920, contra os britânicos) um só jesida deteve e destruiu a granadas de mão um tanque inglês, obrigando todos os seus tripulantes a se renderem”.

A característica talvez mais peculiar desse grupo curdo é a sua religião. Trata-se do único povo conhecido no mundo a, abertamente, sem disfarces, sem lhe dar o nome de Sol, Fogo ou qualquer outra coisa, render culto ao demônio.

Na matéria supracitada, o autor assinalou, acerca dos jesidas: “Orgulhosos de sua religião e de seus costumes, são os unidos povoadores da Ásia Menor que nunca se deixaram influenciar em suas moradas e vestuários pelos europeus. Entre eles não há o menor vestígio de civilização e a maioria dos jesidas nunca viu um europeu”.

A religião proíbe-lhes ler e escrever. Este é um privilégio detido somente pelos sacerdotes, guardiões dos livros sagrados e dos lugares santos de peregrinação situados em Sheik-Adi, a Leste de Mosul, onde está a sepultura de seu maior santo, que dá nome à localidade. O admirável é como, sendo analfabetos, os jesidas detêm tamanha liderança sobre os “peshmercas”, os temidos e valentes guerrilheiros curdos.
  
(Artigo publicado na página 16, Internacional, do Correio Popular, em 16 de maio de 1991)


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