Vasto
renascer
Pedro J.
Bondaczuk
... A superfície civilizada da terra é um vasto
renascer de coisas e idéias”. Bela frase! Bela e verdadeira! Todavia, não é
(infelizmente) da minha lavra. Bem que eu gostaria que fosse minha. O que
fazer? Meu talento não chega a tanto. Quem fez essa constatação foi ninguém
mais e ninguém menos do que o escritor que tomei como modelo, como parâmetro,
como referencial nessa minha caminhada pelo fascinante mundo da Literatura.
Quem pensou em Machado de Assis, acertou.
O “Bruxo do Cosme Velho”, que morreu em 29 de
setembro de 1908 escreveu essas marcantes palavras na sua coluna de 1º de julho
de 1876, intitulada “História de quinze dias”, que publicava duas vezes por mês
no jornal “Gazeta de Notícias” do Rio de Janeiro.
Não
gosto de conceituar escritores e dizer “este é o maior”, “aquele é o menor”,
“este é o rei da poesia brasileira”, “aquele é o príncipe” (e eu, então, sou o
plebeu dos plebeus!) ou coisa parecida.
Para mim, todos os que li são grandes. Devo-lhes infinita gratidão, pois foram
meus generosos mestres (sem nada cobrar e sequer me conhecer). Concordo, pois,
com Mário Quintana, a esse propósito (e a tantos e tantos outros, para não
dizer a todos).
Certa
feita, perguntaram-lhe quem ele achava que era o maior poeta do País. Sem
titubear, meu ilustre (e sublime) conterrâneo respondeu, na bucha, com a
singeleza e a sinceridade que o caracterizavam: “Deixe disso. Nenhum poeta é
cavalo de corrida para ser obrigado a chegar em primeiro lugar”. Diria, no
caso, que “nenhum escritor é cavalo de corrida para ser obrigado a chegar em
primeiro lugar”. Abro, apenas, uma, uma única e exclusivíssima exceção: Machado
de Assis.
Considero-o
incomparável (e que me perdoem os demais). Digam o que quiserem os meus
críticos, chamem-me dos nomes mais feios que quiserem, escrevam furiosos
comentários me contestando, entupam minha caixa de correspondência virtual de
e-mails malcriados e ofensivos, mas afirmo, e sustento: o Bruxo do Cosme Velho
foi, é e continuará sendo, provavelmente, enquanto existir o mundo, o “top”, o
máximo, o número um da Literatura Brasileira (e, se bobearem, disputará a
liderança mundial). Exagero? Talvez! Parodiando Cazuza, “sou mesmo exagerado”.
Afirmo
isso não de ouvir dizer. Li tudo o que tive notícia que Machado de Assis
escreveu, inclusive textos nunca publicados em livros. Deliciei-me
com seus romances, emocionei-me com sua
poesia, aprendi demais com seus contos (gênero em que tento me especializar),
“devorei” suas crônicas e conheci (como se tivesse vivido nesses tempos que nos
parecem tão remotos, mas que na verdade são tão próximos) como era nosso
segundo império através dos seus agudos, inteligentes, oportunos, mas sempre
divertidos e bem-humorados comentários políticos.
Quem esperava que eu homenageasse Machadão (forma
carinhosa com que sempre me
refiro ao meu ídolo) escrevendo alguma resenha de
qualquer de seus livros, algum ensaio sobre suas fontes ou, talvez,
apresentando dados biográficos supostamente desconhecidos a seu respeito,
certamente irá se frustrar. Se o fizesse, convenhamos, não estaria sendo nada
original. Muitos e muitos já o fizeram ou farão tudo isso e divulgarão em
jornais, revistas e na TV.
Quem escreve, agora, estas linhas sem nexo, não é o
escritor Pedro e muito menos o jornalista ou o crítico literário. É o leitor,
apaixonado e agradecido, sem a mínima necessidade de ser objetivo ou sequer
coerente. Às favas com a coerência! Ademais, não pretendo, depois de velho,
entrar no requisitadíssimo time dos “idiotas da objetividade” (expressão que
empresto, com muito gosto, de outro dos meus favoritos, Nelson Rodrigues).
Machado de Assis escreveu, nesse mesmo comentário
que citei: “Passam-se os séculos, as repúblicas, as paixões; a história faz-se
dia por dia, folha a folha; as obras humanas alteram-se, corrompem-se,
modificam-se, transformam-se”. Só faltou posar com uma caveira nas mãos, com
esta legenda: “sic transit gloriam mundi”. Pois é assim que tudo termina: em
alterações, corrupção, mudanças e transformações. Em poeira e esquecimento.
Mas, o consolo é que, como Machado frisou, “toda a
superfície civilizada da terra é um vasto renascer de coisas e idéias”. Minha
esperança é que, quando se completar o segundo século do “encantamento” do
nosso escritor número um (afinal, como garantiu Guimarães Rosa, os grandes
homens nunca morrem, “ficam encantados”), em 2108, esta destrambelhada crônica
seja encontrada por alguém, alhures. E que, apesar da sua falta de coerência e
de objetividade, seja a semente do renascer das idéias que Machado de Assis nos
legou. Tenho a maluca pretensão de que, de fato, seja.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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