A invenção da vida
Pedro J. Bondaczuk
“A vida é uma grande invenção!”.
Quem disse isso foi Ferreira Gullar, num documentário sobre Vinicius de Moraes,
exibido pelo Canal Brasil em 16 de outubro de 2008, produção que, desde a
concepção, até a realização final, merece todos os elogios possíveis e
imagináveis. Mas meu objetivo não é comentar o programa, cuja avaliação pode
ser resumida numa única palavra: “excelente!”. Isso basta (pelo menos por
enquanto, pois não resisto à tentação de voltar, oportunamente, ao assunto).
O que ficou martelando,
insistentemente, em meu cérebro, foi essa declaração de um poeta, falando sobre
outro. Refleti muito sobre o assunto e concluí que Gullar foi de extrema
felicidade ao fazer essa enfática afirmação. Aliás, escrevi páginas e mais
páginas sobre o assunto (o leitor é testemunha), embora, óbvio, sem o poder de
síntese que só um poeta desta envergadura tem.
Pois é, a vida é, de fato, uma
grande invenção. Cada qual, com seu esforço, talento, imaginação (e, como diria
Ortega y Gasset, “circunstâncias”) elabora o próprio enredo, com a participação
ou não de coadjuvantes. Uns (temo que a maioria) optam por tornar essas
histórias autênticos filmes “noir”, repletos de melancolias, tédio e horror. E
depois dizem “odiar” a vida. Pudera! Mesmo estes, porém, desconfio, odeiam-na
somente da boca para fora. Caso não fosse assim, não se mostrariam tão
apavorados quando a “niveladora dos homens” surge para os levar à presença do
“barqueiro de Caronte”, para a travessia (sem volta) do Aqueronte.
Há os que vão mais longe, em sua
psicose, e transformam suas vidas num assustador filme de terror. Esses, ai,
ai, ai... Outros tantos, fazem-na um western, daqueles com muitos tiros e uma
infinidade de socos e pontapés, em que o mocinho sempre vence no final e finda
por se casar com a mocinha, com a qual vive feliz para sempre. Só que, tolos
que são, reservam, para si, o papel do bandido. Que estúpidos!
Há, por outro lado, os
masoquistas, os que adoram sofrer, mesmo sem motivos para sofrimentos (que,
também, inventam). Estes têm prazer mórbido em narrar suas desventuras,
fracassos e dores (estas, na maior parte, claro, inventadas). São os que vivem
se queixando, da manhã até a noite, achando que são as pessoas mais infelizes e
sofredoras do mundo. E de tanto quererem isso, de fato se tornam nisso.
Tratam-se daqueles chatos que fazem de uma reles dorzinha de cabeça, doença
potencialmente letal.
Basta que, na roda em que entram,
para participar de uma conversa informal qualquer – sobre mulher (tema
predileto e recorrente), por exemplo, ou futebol, ou simplesmente para fofocar
– alguém mencione, mesmo que de passagem, alguma moléstia. Pra quê!
Incontinenti, assumem o centro do palco. Nesses momentos, tomam a palavra, sem
a menor cerimônia e nenhum convite, e desfiam intermináveis rosários de
achaques, apresentados em detalhes e que, se de fato tivessem, estariam a sete
palmos abaixo da terra e não enchendo o saco de quem pretende, apenas,
espairecer. São os tais dos “espalha-rodinhas”. Conheço inúmeras pessoas assim.
Estou certo que o leitor também conhece, não é mesmo?
Por que não inventar enredos em
que sejamos sempre alegres, mesmo sem motivos para alegria, bonitos (mesmo que
sejamos reflexos de Frankenstein) e vencedores? Por que levar as coisas tão a
sério, se o nosso tempo de vida é tão curto e não temos a mínima noção se
haverá um depois? E, se houver, como será? E se não sabemos sequer se no minuto
seguinte estaremos, ou não, vivos? Por que não aproveitar o presente, enquanto
presente, sem deixar de planejar o futuro, contudo sem nenhuma grande ilusão,
pois poderemos sequer ter algum?
Por que esta obsessão de juntar,
juntar e juntar, dinheiro, imóveis, bugigangas, bobagens tidas e havidas como
riquezas se, no íntimo, o indivíduo já sabe que, mal o seu corpo esfrie e
comece a se decompor, antes mesmo de ser sepultado, seus filhos já estarão se
pegando a tapas para dividir tudo o que juntou? E, provavelmente, irão esbanjar
e perder em poucos anos (se não dias) o que gastou uma vida inteira para
acumular. Ou, pior, a pessoa que lhe jurava amor eterno, em questão de semanas,
após sua morte, poderá se juntar com um pilantra qualquer (a probabilidade não
pode ser descartada), que talvez torre todas essas economias, feitas com
absurdos sacrifícios, zombando de quem as juntou.
Por que não amar as mulheres que
o acaso lhe oferece de bandeja? Por que não se divertir com os amigos que as
circunstâncias juntam? Por que não visitar os lugares que tanto deseja? Por que
não sorrir, não agradar os sentidos, não cantar, não dançar, não amar? Sim,
apontem uma razão, uma única, para não fazer tudo isso.
Quem não quer (ou não sabe)
usufruir disso tudo, merece o sofrimento que tem. É uma pessoa tacanha,
mesquinha, estúpida, totalmente despida de imaginação. Não sabe inventar uma
vida que preste! E que se danem os moralistas de plantão e os onipresentes
“idiotas da objetividade” que quiserem brandir seu dedo acusador diante do meu
nariz por causa das minhas observações.
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