O Pacote Real
Pedro J. Bondaczuk
O
País ainda tenta digerir as indigestas e impopulares 51 medidas do pacote
econômico imposto pelo governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, na
última segunda-feira, com o propósito declarado de manter a estabilidade do
Real, diante dos ataques dos especuladores internacionais à nossa moeda.
Desta
vez, o Brasil foi atingido em cheio pela quebra nas bolsas de valores dos
principais centros financeiros mundiais, em especial os da Ásia, ao contrário
do que havia ocorrido quando das crises no México e na Malásia. À primeira
vista, ninguém vai escapar de dar compulsoriamente a sua parcela de sacrifício,
uns mais e outros menos, para evitar o pior. Ou seja, a volta da inflação de
dois ou quem sabe até de três dígitos ou mais.
Ainda
é cedo para uma análise serena e objetiva das conseqüências das medidas, que à
primeira vista, têm forte componente recessivo, com tendências a acentuar o
desemprego --- principalmente no funcionalismo público e na indústria --- e
dessa forma agravar a tensão social que já não é pequena. Além disso, embora os
economistas discordem sobre a intensidade, as taxas de inflação deverão
crescer, corroendo ainda mais o poder aquisitivo já irrisório dos trabalhadores
e aposentados que, além disso, vão pagar mais imposto de renda na fonte.
Os
brasileiros esperavam que nesta era do Real não seriam nunca mais surpreendidos
por pacotes. Estavam errados. E o "presente de grego" chega em
péssima hora, às vésperas do Natal, que neste ano, ao que tudo indica, será
sumamente austero, senão sombrio.
Boa
parte da culpa do que está acontecendo deve ser atribuída ao próprio governo,
que não soube gerir a sua base de sustentação no Congresso, para que as
indispensáveis reformas fossem aprovadas ainda nesta legislatura. Só elas têm
condição de garantir a estabilidade monetária, sem os sobressaltos de agora.
Ademais,
os gastos públicos continuam tão altos, senão maiores, do que de outras
administrações. E, pior, tais despesas não se concentram em setores essenciais,
como saúde, educação e segurança. Continua havendo desperdício e má gestão dos
recursos, por si sós insuficientes para satisfazer todas as necessidades.
O
Real tem o seu valor garantido pelo que se convencionou chamar de "âncora
cambial". Ou seja, a reserva de moeda forte que o País possui. Tão logo
ocorreu o crash nas bolsas, houve intensa procura por dólares por parte dos que
sofreram perdas na Ásia, em Wall Street ou na Europa.
O
governo, para evitar uma perigosa (e desastrosa) evasão dessa divisa,
praticamente dobrou as taxas de juros dos papéis de sua dívida no mercado. Os
títulos, lógico, passaram a ser atrativos. Sua procura, como era de se esperar,
aumentou e as reservas monetárias voltaram a crescer. No entanto, o
endividamento público foi às alturas, em questão de horas. Se nada fosse feito,
haveria uma incontrolável explosão inflacionária e o Plano Real viria todo
abaixo (embora nada garanta que ainda não possa desmoronar).
Mais
uma vez, a classe média foi a escolhida para pagar o pato. O governo espera
arrecadar, com as 51 medidas, algo em torno de R$ 20 bilhões de reais, o tanto
que a dívida interna deve aumentar com a elevação dos juros. Ou seja, passamos
todos a trabalhar para ressarcir as perdas dos especuladores nas bolsas
asiáticas.
Essa
é a conseqüência direta da globalização da economia. Só os prejuízos são
globalizados. Os lucros... Bem, estes nunca vêm para quem produz e, portanto,
para quem gera as riquezas. Ainda assim, o remédio, embora amargo, pode ser
eficaz (é o que todos esperam). Resta saber se quem irá aplicá-lo terá o bom
senso de acertar na dose, para não "intoxicar" o paciente. Tomara que
dê certo.
(Texto
escrito em 10 de novembro de 1997 e publicado como editorial na Folha do
Taquaral).
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