Saturday, March 04, 2017

O Pacote Real


Pedro J. Bondaczuk


O País ainda tenta digerir as indigestas e impopulares 51 medidas do pacote econômico imposto pelo governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, na última segunda-feira, com o propósito declarado de manter a estabilidade do Real, diante dos ataques dos especuladores internacionais à nossa moeda.

Desta vez, o Brasil foi atingido em cheio pela quebra nas bolsas de valores dos principais centros financeiros mundiais, em especial os da Ásia, ao contrário do que havia ocorrido quando das crises no México e na Malásia. À primeira vista, ninguém vai escapar de dar compulsoriamente a sua parcela de sacrifício, uns mais e outros menos, para evitar o pior. Ou seja, a volta da inflação de dois ou quem sabe até de três dígitos ou mais.

Ainda é cedo para uma análise serena e objetiva das conseqüências das medidas, que à primeira vista, têm forte componente recessivo, com tendências a acentuar o desemprego --- principalmente no funcionalismo público e na indústria --- e dessa forma agravar a tensão social que já não é pequena. Além disso, embora os economistas discordem sobre a intensidade, as taxas de inflação deverão crescer, corroendo ainda mais o poder aquisitivo já irrisório dos trabalhadores e aposentados que, além disso, vão pagar mais imposto de renda na fonte.

Os brasileiros esperavam que nesta era do Real não seriam nunca mais surpreendidos por pacotes. Estavam errados. E o "presente de grego" chega em péssima hora, às vésperas do Natal, que neste ano, ao que tudo indica, será sumamente austero, senão sombrio.

Boa parte da culpa do que está acontecendo deve ser atribuída ao próprio governo, que não soube gerir a sua base de sustentação no Congresso, para que as indispensáveis reformas fossem aprovadas ainda nesta legislatura. Só elas têm condição de garantir a estabilidade monetária, sem os sobressaltos de agora.

Ademais, os gastos públicos continuam tão altos, senão maiores, do que de outras administrações. E, pior, tais despesas não se concentram em setores essenciais, como saúde, educação e segurança. Continua havendo desperdício e má gestão dos recursos, por si sós insuficientes para satisfazer todas as necessidades.

O Real tem o seu valor garantido pelo que se convencionou chamar de "âncora cambial". Ou seja, a reserva de moeda forte que o País possui. Tão logo ocorreu o crash nas bolsas, houve intensa procura por dólares por parte dos que sofreram perdas na Ásia, em Wall Street ou na Europa.

O governo, para evitar uma perigosa (e desastrosa) evasão dessa divisa, praticamente dobrou as taxas de juros dos papéis de sua dívida no mercado. Os títulos, lógico, passaram a ser atrativos. Sua procura, como era de se esperar, aumentou e as reservas monetárias voltaram a crescer. No entanto, o endividamento público foi às alturas, em questão de horas. Se nada fosse feito, haveria uma incontrolável explosão inflacionária e o Plano Real viria todo abaixo (embora nada garanta que ainda não possa desmoronar).

Mais uma vez, a classe média foi a escolhida para pagar o pato. O governo espera arrecadar, com as 51 medidas, algo em torno de R$ 20 bilhões de reais, o tanto que a dívida interna deve aumentar com a elevação dos juros. Ou seja, passamos todos a trabalhar para ressarcir as perdas dos especuladores nas bolsas asiáticas.

Essa é a conseqüência direta da globalização da economia. Só os prejuízos são globalizados. Os lucros... Bem, estes nunca vêm para quem produz e, portanto, para quem gera as riquezas. Ainda assim, o remédio, embora amargo, pode ser eficaz (é o que todos esperam). Resta saber se quem irá aplicá-lo terá o bom senso de acertar na dose, para não "intoxicar" o paciente. Tomara que dê certo.

(Texto escrito em 10 de novembro de 1997 e publicado como editorial na Folha do Taquaral).


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