Perestroika ou caos, a opção
soviética
Pedro J. Bondaczuk
O
líder soviético Mikhail Gorbachev pôde sentir de perto, ontem, na cidade
siberiana de Krasnoyarsk, as dificuldades e resistências que suas reformas vão
enfrentar perante a população do seu país. É que os trabalhadores estão
confundindo o atual estado de escassez de mercadorias (e principalmente de
gêneros alimentícios), que é conseqüência da política equivocada posta em
prática pelos dirigentes passados, com a "perestroika", que mal está
começando. É claro que os burocratas do Partido Comunista, que está na
iminência de perder privilégios e parcelas consideráveis de poder, estão
trabalhando nas sombras para estimular tal equívoco. Eles contam capitalizar o
descontentamento popular para fazer com que as reformas não dêem em nada e tudo
permaneça como está, como se isso fosse bom para o país ou sequer possível.
No
mês passado, o comentarista econômico da Rede Globo, Paulo Henrique Amorim,
entrevistou, em Moscou, o economista Abel Agabenyan, o homem que "fez a
cabeça" de Gorbachev, mostrando ao líder do Cremlin a necessidade da
"perestroika". Essa personalidade, membro da Academia de Ciências da
URSS, num pronunciamento dos mais lúcidos que já ouvimos de alguém do Leste
europeu, ressaltou, dramaticamente, que as mudanças que se pretendem empreender
não se tratam de nenhum capricho. São a "única forma de tirar a União
Soviética do abismo". E destaque-se que quem disse isso, com tamanha
crueza, não foi nenhum jornalista norte-americano ou político da Europa
Ocidental. Foi um integrante, e dos mais influentes, do próprio regime marxista
soviético.
Agabenyan
destacou que a sociedade do seu país não pode sequer cogitar de que a
"perestroika" fracasse. Deixou bem claro que o processo reformista é
"vital" para que a União Soviética continue sendo uma superpotência.
Reconheceu que muitas medidas "amargas", tendentes a gerar
descontentamento popular, terão que ser tomadas, como por exemplo, o corte de
subsídios ao pão, que de tão barato hoje em dia, é desperdiçado pela população.
Tudo às custas do governo, que não tem fôlego e dinheiro para sustentar a
ineficiência, a irresponsabilidade e o esbanjamento desregrado que se faz e
ainda investir no futuro do país.
Somente
um homem de mente aberta como Gorbachev, que não teme enfrentar a opinião
pública e nem busca esconder os "podres" do seu regime no
"armário", é que poderia correr tamanho risco de enfrentar poderosos
burocratas, que transformaram o Estado soviético em algo quase igual ao
czarismo, tempo em que a Rússia foi uma das sociedades com a maior
estratificação social, onde havia castas rígidas e intransponíveis e que faziam
da maioria do povo mera massa amorfa e sem nenhum direito, nem mesmo sobre as
próprias vidas. Ao que se conclui que a URSS tem, neste momento crítico de sua
história, apenas uma alternativa: a "perestroika" ou o caos.
(Artigo
publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 13 de setembro de
1988)
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