Admirável artista
Pedro J. Bondaczuk
Os critérios que nos levam a nos
apaixonarmos por alguém são, via de regra, equivocados, ou pelo menos
imperfeitos. Daí nos decepcionarmos, tão amiúde, no amor. A maioria ama pela
beleza física de certas pessoas, artifício de que a natureza nos dotou para
assegurar a perpetuação da espécie, sem atentar para outras virtudes delas. Só
que o tempo não perdoa ninguém.
Um dia a amada perde o viço da
juventude e não se torna mais tão atrativa aos olhos. Caso não haja o ingrediente
da amizade, da camaradagem e da cumplicidade entre o casal, sobrevém a mútua
frustração. E não tarda para o relacionamento se desfazer.
Há quem se apaixone por ter
admiração por alguém, sem atentar para os seus defeitos. Quando os descobre... É
aquela tragédia! O leitor já reparou que o amor, pelo menos em sua fase
inicial, aquela que mais nos marca e que nos deixa lembranças preciosas e
inesquecíveis, mesmo quando se acaba, é uma espécie de perpétua infância?
Retomamos aquela ingenuidade inicial
de meninos que com o tempo deixamos pelos caminhos da vida. Até as expressões
que utilizamos durante o namoro são inocentes, carinhosas e um tanto quanto
infantis, quando não piegas. Contudo, não nos importamos com isso e sequer
notamos.
Não por acaso, o amor é
representado pela figura de uma criança, Eros (ou Cupido), garoto brincalhão
que se diverte a lançar flechas nos corações dos incautos. E como as lança!
Como brinca com os sentimentos humanos!
Pena que, com o tempo, essa
inocência seja substituída por outras características, nem sempre as mais
desejáveis, que às vezes maculam e até destroem os relacionamentos amorosos. O
poeta romano Propércio, nascido em 47 AC , na cidade de Assis, constatou a
propósito: “Aquele que primeiro representou o amor nas feições de uma criança,
esse foi admirável artista, porque foi também o primeiro a sentir que a vida
dos amantes é infância perpétua”. E não é?
O amor é um sentimento
misterioso. Nunca vem sozinho, mas traz, consigo, outras tantas emoções
contraditórias, como euforia e depressão, êxtase e sofrimento, exaltação e
ciúmes, tudo isso simultaneamente e ao mesmo tempo. Proporciona-nos o máximo de
satisfações e pungentes sofrimentos quando distantes da pessoa amada.
Há quem o compare à febre, à
perda de autocontrole e, principalmente, ao delírio. Doce delírio! E, ainda
assim, é a mais desejável e sublime experiência que podemos ter. O escritor
francês, Guy de Maupassant, no conto “A morta”, assim se expressou a propósito
desse sentimento: “Por que amamos? É realmente estranho ver no mundo apenas um
ser, ter no espírito um único pensamento, no coração um único desejo e na boca
um único nome: um nome que ascende ininterruptamente, que sobe das profundezas
da alma como a água de uma fonte, que ascende aos lábios, e que dizemos,
repetimos, murmuramos o tempo todo, por toda parte, como uma prece”.
Não é assim que os amantes se
sentem quando distantes um do outro? Gosto de escrever sobre o amor, ainda que
não tenha nada de novo, ou sequer minimamente inteligente para dizer. Sou
amante compulsivo e não me importo em pagar o devido preço por isso. Não reluto
em pôr as mãos nos emaranhados de espinhos, que as ferem sem dó e nem
contemplação, para colher rubras rosas de afetos. A colheita compensa qualquer
dor, a despeito das flores terem vida tão efêmera, como a desse delicado
sentimento.
Perguntam-me, amiúde, se eu
conheço alguma receita infalível para assegurar a profundidade e,
principalmente, a perpetuidade do amor e se existir, qual é. Não sou, diga-se
de passagem, a pessoa mais indicada para dar esse tipo de conselho. Afinal, sou
um rematado trapalhão em assuntos que dizem respeito a sentimentos. Há,
contudo, inúmeras recomendações óbvias que podem ser dadas e que, se não
asseguram a “eternidade” desse sentimento, o tornam sublime e profundo, pelo
menos enquanto dura.
A melhor receita de amor, entre
tantas de que tomei conhecimento, é esta, no meu entender, dada por Madre
Teresa de Calcutá, figura humana ímpar, que dispensa apresentações: “Não ame
pela beleza, pois um dia ela acaba. Não ame por admiração, pois um dia você se
decepciona. Ame apenas, pois o tempo nunca pode acabar com um amor sem
explicação”. E pode? Claro que não! Busque, sobretudo, preservar sua eterna
inocência, aquela que tínhamos na mais remota infância. Simples assim...
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