Criadores
de mundos
Pedro J. Bondaczuk
A imaginação é uma característica
ímpar com que a natureza nos dotou. Tem o condão de, em infinitésimos de
segundos, tornar o abstrato concreto, criar e destruir mundos e vencer
distâncias imensas com velocidade maior do que a da luz. Pode contribuir para
nos fazer felizes ou ser a causa de constantes pesadelos, sofrimentos e dores.
Por exemplo, há muitas doenças
que são apenas imaginárias e que só podem ser curadas pela própria pessoa que
as padece. Há sofrimentos emocionais que existem somente em nossas mentes, mas
que, ainda assim, nos causam intensos tormentos. Em contrapartida, essa
característica, exclusiva do homem, enseja grandes criações artísticas, obras
monumentais e fundamentais avanços da
civilização.
Há escritores prolíficos, que
escreveram livros e mais livros sobre determinados lugares em que nunca
estiveram, mas com uma desenvoltura e verossimilhança tamanhas, como se esses
fossem suas aldeias natais. Cito, como exemplo, quatro deles, popularíssimos
mundo afora, cujos livros de aventuras encantaram gerações e mais gerações de
jovens (inclusive a minha) e são lidos, avidamente, ainda nos dias atuais:
Emilio Salgari, Karl May, Edgar Rice Burroughs e Júlio Verne.
Todos os quatro foram campeões de
vendas. Ou seja, fizeram a fortuna dos respectivos editores. Foram autênticas
“usinas de idéias” e, apesar da extensíssima produção, não se repetiram. Mas
tiveram sortes muito diferentes em suas vidas pessoais. À exceção de Júlio
Verne, foram considerados “escritores menores”, a despeito da quantidade de
leitores que tiveram. Foram ignorados pelos críticos literários e seus textos
não constam de nenhuma antologia.
O italiano Emílio Salgari,
nascido em Verona em 21 de agosto de 1862, notabilizou-se por escrever, nos
últimos 15 anos de vida (pasmem) 200 novelas de aventuras e viagens! Os locais
enfocados, que serviram de cenário para as suas histórias, foram os mais diversos
e exóticos possíveis, como a Malásia, as Antilhas, as Bermudas e o faroeste
norte-americano.
O leitor deve estar pensando:
“Como esse cara era viajado!” O curioso é que não era. Fez, em toda vida, uma
única e curta viagem: no Mar Adriático, na costa oriental da Itália. Ou seja,
em seu próprio país. Suas fontes de inspiração foram os relatos de viajantes e
exploradores, com os quais teve a oportunidade de conversar. E sua fertilíssima
imaginação, claro!
Por exemplo, Emílio Salgari tomou
como modelo, para as heroínas dos seus romances, uma paixão frustrada da
juventude. O escritor apaixonou-se, perdidamente, por uma jovem inglesa, de
família nobre, que sequer tomou conhecimento de que ele existia. Casou-se, por
fim, com uma camponesa italiana, Ida Peruzzi, paupérrima e que lhe gerou quatro
filhos.
Alguns dos seus livros mais
conhecidos (li todos eles) são: “Sandokan vence o tigre da Índia”, Sandokan na
ilha de Bornéu”, “Sandokan reconquista Mompacém”, “Sandokan soberano da
Malásia”, “Os pescadores de pérolas”, “O corsário negro”, “Os últimos
corsários”, “O Capitão Tormenta”, “O tesouro dos incas”, “O escravo de
Madagascar”, “A heroína de Cuba” e vai por aí afora.
Na Itália, a obra de Salgari foi
(e ainda é) mais lida do que a de Dante Alighieri (cujo estudo é obrigatório
nas escolas). Situa-se entre os 40 escritores mais traduzidos no mundo. Foi
admirado, por exemplo, por Ernesto Che Guevara, que se inspirou nesse novelista
para suas viagens de aventura da juventude.
Todo esse sucesso editorial,
contudo, não lhe valeu coisa alguma. Salgari viveu seus últimos anos de vida
trabalhando (duro) como jornalista, em extrema penúria. As dificuldades
financeiras foram tantas, e tão graves, que cometeu suicídio em 25 de abril de
1911, em Turim.
Já o alemão Karl Friedrich May,
nascido em Hohenstein-Emsthal, em 25 de fevereiro de 1842, é o maior
best-seller da pátria de Goethe, Schiller e tantos outros monstros sagrados da
literatura, de todos os tempos. Seu legado literário é de 33 romances de
aventura, em várias partes do mundo, em todos os continentes.
Tornou-se conhecido, sobretudo,
pelas peripécias do cacique apache Winnitou e seu “irmão de sangue” branco Old
Shatterhand, vividas no Velho Oeste dos Estados Unidos. Ocorre que, até 1908,
nunca havia saído da Alemanha.
Fato semelhante ocorreu com o
jornalista norte-americano Edgar Rice Burroughs, o criador de Tarzan, que
nasceu em 1º de setembro de 1875 e morreu em 19 de março de 1950, sendo
sepultado numa pequena cidade da Califórnia, chamada de Tarzana.
A África que esse escritor usou
como cenário das aventuras do “Homem Macaco” não tem absolutamente nada a ver
com esse continente. Trata-se de uma região “fantasma”, “irreal”, “imaginária”,
habitada por povos estranhos, descendentes de antigos fenícios, romanos ou
cruzados.
Já Júlio Verne, dos quatro, foi o
mais bem-sucedido financeiramente, embora tenha vendido bem menos livros do que
os outros três. Nascido em Nantes, em 8 de fevereiro de 1828, teve a felicidade
de se associar a um editor experiente, que trabalhava com Victor Hugo, George
Sand e outros grandes nomes da literatura francesa, Pierre-Jules Hetzel. Ambos
enriqueceram, fato raro na vida de um escritor.
Seu primeiro sucesso, de vendas e
de público, foi o romance “Cinco semanas em um balão”, lançado em 1862. A narrativa era tão
verossímil, ao ponto dos leitores questionarem se se tratava de uma obra de
ficção ou de um relato de viagem. Ocorre que Júlio Verne nunca esteve na África
e muito menos andou de balão em toda a sua vida. Sequer é necessário lembrar os
inúmeros sucessos desse escritor, visto por muitos como uma espécie de profeta,
como “Vinte mil léguas submarinas”, “Viagem ao centro da terra”, “A volta ao
mundo em oitenta dias”, “Da terra à lua” e “Robur, o conquistador”, entre
tantos e tantos best-sellers.
Como se vê, a imaginação opera
milagres, desde que acompanhada, é claro, de muita informação, domínio da
linguagem, capacidade narrativa e, sobretudo, talento, muito talento para criar
mundos de fantasia que sejam, sobretudo, verossímeis.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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