Maneira
de rezar
Pedro J.
Bondaczuk
O trabalho é uma bênção, uma oportunidade que a vida
nos dá de mostrarmos a nossa utilidade, a nossa competência, o nosso talento e
a nossa capacidade. Não se trata, pois, como muitos afirmam, de “um mal
necessário”, ou de eventual “maldição” por nossos erros, ignorância e
contradições. E, muito menos, de “castigo” pela desobediência e fraqueza do
mítico e alegórico casal original – suposto gerador de toda espécie – Adão e
Eva, quando da expulsão do paradisíaco Jardim do Éden.
Claro que para adquirir transcendência e grandeza, é
preciso que escolhamos fazer (sempre que a escolha seja possível), o que nos dê
prazer e orgulho. E, principalmente, claro, que nos possibilite realizar aquilo
para o que estejamos devidamente habilitados.
Mesmo as obrigações penosas, todavia, desde que
necessárias, têm lá a sua importância e grandeza, por mais humildes e banais
que pareçam. O pintor Henry Matisse expressou, com entusiasmo, o que sempre
acreditei a esse propósito: “Eu creio em Deus quando trabalho”. Existe forma
mais prática (e bela) de manifestar crença no, e adoração ao Criador de tudo o
que há? Ou seja, ao primeiro e principal trabalhador do universo, feito, aliás,
todinho por ele?! Claro que não!
Essa postura, até lógica – mas que muitos não se dão
conta – completa-se, a caráter, com a manifestada do mito Marc Chagall, ao
declarar, certa feita: “O trabalho é minha maneira de rezar”. A minha também! E
justifiquei, não faz muito, essa afirmação, em uma crônica, em que comprovei
(com fatos) que não se trata de mera retórica, como pode parecer, mas,
sobretudo, de filosofia de vida. E de gratidão a Deus, e aos que me
proporcionam as oportunidades de mostrar meu talento e meus conhecimentos.
Para mim, o trabalho é muito mais do que mera fonte
de sustento, meu e da família. A remuneração, sem dúvida, é importante, porém
não essencial. Encaro o fruto pecuniário do que faço como uma forma de
reconhecimento ao meu empenho, assiduidade, responsabilidade e dedicação.
Vejo-a como um elogio prático à qualidade e pertinência do que produzo. Mas é
um fator secundário.
O trabalho é minha terapia mental e espiritual, a
forma que conheço (e que utilizo) para manter a sanidade, num mundo cada vez
mais insano, perverso e violento. Sua importância me fica nítida principalmente
naqueles momentos difíceis, que todos enfrentamos (uns mais e outros menos), em
que parece que tudo está contra nós. Em que crises e dificuldades de toda a
sorte se acumulam e parece que o universo inteiro está determinado a nos ferir,
quando não nos destruir.
Nessas ocasiões, busco resolver, claro, como manda a
prudência, os problemas mais prementes, cuja solução acredite ter, e me
abstraio dos demais. Afinal, não sou masoquista e detesto qualquer tipo de
sofrimento. Prefiro apostar todas as minhas fichas na alegria, no bom-humor e
na felicidade.
Mergulho, de cabeça, no trabalho, mantenho a mente
sempre ocupada na produção de algo útil e positivo (não importa qual seja a sua
natureza ou valor) e, como que num passe de mágica, o horizonte clareia. As
nuvens ameaçadoras se dissipam e o sol volta a brilhar com toda a intensidade.
Subitamente, o que antes parecia uma tragédia ou um prenúncio dela, se mostra
em toda a sua verdadeira e mesquinha dimensão. Revela-se pequena, ínfima, banal
e não raro acabo por sorrir da minha primitiva aflição.
É certo que tenho a felicidade de fazer o que gosto
(e, como sempre digo, em tom até de galhofa, “e ainda por cima sou remunerado
pelo que faço!”) e me entrego de corpo e alma à atividade que me dá prazer e
que sei fazer razoavelmente bem: sou jornalista por vocação e, principalmente
por opção. O jornalismo – que considero mais que profissão, missão de vida –, é
mister lembrar, é um exercício que tende a ser estressante e aflitivo, caso não
adotemos determinadas cautelas.
A exposição cotidiana, por anos a fio, ao que há de
pior e de mais baixo no homem – ou seja,
a ganância, a violência, o cinismo, a corrupção etc. –, raramente passa impune.
Se o jornalista não tiver valores éticos sólidos, crenças firmes, estabelecidas
e comprovadas pelo tempo e uma dose considerável de idealismo, corre o risco de
ser ferido, no corpo e na alma, e, não raro, de ver abreviada não só a
carreira, como a própria vida. Ainda assim, é, sempre foi e sempre será a minha
forma mais respeitosa e pia de adoração a Deus.
Peço licença, pois, ao paciente leitor. Tenho uma
tarefa – como ocorre todos os dias, há já longos e felizes 53 anos – inadiável:
a de render graças a Deus pelo privilégio da vida, da família, dos amigos e das
oportunidades que me foram, generosamente, concedidas. Ou seja, vou “orar”, mas
não me limitar à recitação de alguma eventual reza decorada e formal, murmurada
com os lábios, mas não sentida, porém produzindo uma reportagem, ou um artigo,
ou uma crônica, ou um conto, ou um ensaio ou mesmo um poema nos quais
empenharei, esteja certo, todas as minhas forças e conhecimentos, o máximo da
minha capacidade, para que sejam perfeitos, honestos, isentos e construtivos.
Amém!!!
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