Jogo de paciência no deserto
Pedro J. Bondaczuk
O novo ataque a mísseis
realizado pelo Iraque, anteontem, contra Israel, quando um de seus
ultrapassados e não certeiros Scuds B atingiu um conjunto residencial em Tel
Aviv, mostrou, entre outras coisas, que as tentativas dos Estados Unidos para
restringir a guerra aos territórios iraquiano e kuwaitiano são cada vez mais
improváveis de se tornarem bem sucedidas.
Os
israelenses, ressalte-se, mantiveram, até aqui, uma postura irrepreensível,
digna de todos os elogios. Mostraram, mais do que nunca, moderação e
cooperação. Ademais, têm direito legítimo de revide, já que foram atacados sem
nenhuma justificativa de caráter militar, mas por causa de uma jogada política
de Saddam Hussein, que necessita de uma intervenção armada do Estado judeu para
completar o maquiavélico plano que traçou para enfrentar os aliados.
A
posição de Israel, todavia, é muito incômoda. Caso ataque o Iraque, estará
fazendo o jogo desse país. Caso não faça nada, suas autoridades precisarão dar
garantias maiores do que as dadas até aqui, à sua população, de que doravante
ela estará segura. Os badalados Patriots mostraram que não são infalíveis.
Saddam
Hussein, como militar experiente que é, sabe das limitações dos mísseis Scud B.
Tanto é que seus ataques sempre foram feitos contra alvos civis, em Israel e na
Arábia Saudita. Seu objetivo, portanto, fica cada vez mais claro. Seu modo de
agir ressalta a pretensão de afetar psicologicamente os que ele considera seus
maiores inimigos. Colocar os governos desses países na defensiva, junto às
respectivas populações, pode estar sendo a meta maior do presidente iraquiano.
Sua
intenção é a de provocar algum fato novo que atue, evidentemente, a seu favor.
Para ilustrar sua estratégia, podemos usar um exemplo médico. Quando um
organismo está debilitado por determinada infecção que não esteja sendo tratada
devidamente, ou cujos medicamentos não produzem os efeitos esperados, surgem,
em geral, as chamadas doenças oportunistas.
Estas,
muitas vezes, acabam sendo mais graves que o mal original e provocando um
colapso orgânico generalizado, capaz de levar o paciente à morte. O mesmo
acontece com a guerra. Trata-se de uma infecção, de uma doença comportamental
coletiva.
Quando
consegue ficar restrita ao foco inicial, pode ser extirpada, embora
dolorosamente. Mas fatos novos – que agiriam como as moléstias oportunistas –
podem expandir esse foco infeccioso, agravando o estado geral do doente.
Espera-se
que no Golfo Pérsico o fenômeno não ocorra. Que as operações “cirúrgicas” da
Tempestade no Deserto sejam mais do que meras propagandas triunfalistas. Porque
o organismo, neste caso, que pode entrar em colapso, é o mundo.
(Artigo
publicado na página 17, A Guerra no Golfo, do Correio Popular, em 24 de janeiro
de 1991).
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