Popularidade que seria inconcebível há 5 anos
Pedro J.
Bondaczuk
A chegada do presidente soviético, Mikhail Gorbachev, a
Roma, ontem, fez com que se repetisse na Cidade Eterna uma cena que já se
tornou comum nas viagens do líder do Cremlin. Multidões foram às ruas para
saudar o visitante, com um entusiasmo raramente visto em tais ocasiões.
O povo, nas calçadas, repetiu ali
o que ocorreu antes em Washington, Londres, Bonn, Berlim, Varsóvia, Pequim,
para não mencionar Havana onde, por razões óbvias, a recepção tinha que ser
calorosa. Afinal, a União Soviética virtualmente sustenta Cuba desde 1961. Não
há dúvidas, pois, que esse dirigente detém um carisma como poucos estadistas
tiveram na segunda metade deste violento século.
Gorbachev, no entanto, é um caso
para estudo, tamanha é a confusão que gera no espírito dos analistas políticos.
Líderes carismáticos o mundo conheceu muitos, nas derradeiras nove décadas. Mas
sua influência sobre os povos, em geral, sempre desembocou em confrontos
sangrentos.
Basta que se cite um deles, Adolf
Hitler, para comprovar isso. Outros, que não provocaram guerras, nem por isso
deixaram de usar uma linguagem de confrontação. E quando fizeram isso, suas
palavras não corresponderam, em geral, aos seus atos.
Muitos deles, por exemplo,
pregaram a paz, mas agiram no sentido exatamente inverso. Talvez por não atuar
dessa maneira é que esse presidente tenha adquirido tamanha popularidade e em
tempo tão rápido.
Quem, por mais otimista que
fosse, poderia ao menos supor, há somente cinco anos, que um dirigente máximo
do Partido Comunista soviético viria a ser o homem mais popular do mundo? Se
alguém fizesse uma afirmação desse tipo em 1984, precisaria faze-la em caráter
reservado, não sem antes ouvir deboche de seu interlocutor.
Se a previsão fosse feita em
público, o infeliz cairia no mais completo ridículo. No entanto, é exatamente
isso o que ocorre agora. Por quê? Em primeiro lugar, Gorbachev sabe usar seu
charme pessoal. Trata bem a imprensa, cumprimenta a todos que pode e tem sempre
um sorriso no rosto. Mas só isso não basta.
Ele prega a paz, ao invés de
confrontação. E mais do que isso, faz acompanhar as suas palavras de atos
concretos. Por exemplo, prometeu retirar os soldados soviéticos do Afeganistão.
E retirou. Assegurou que cada país do Leste da Europa poderia seguir o seu
próprio caminho. E não interferiu quando o processo reformista que está fazendo
ruir uma estrutura existente há mais de quatro décadas foi posto em marcha.
Num mundo caracterizado por tanta
violência, todos querem uma mensagem de paz. Gorbachev soube encampar isso. Daí
a sua popularidade, que não pára de crescer. Mas que é insólito, isto ninguém
pode negar.
(Artigo publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 30
de novembro de 1989).
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