Thursday, March 30, 2017

Popularidade que seria inconcebível há 5 anos


Pedro J. Bondaczuk


A chegada do presidente soviético, Mikhail Gorbachev, a Roma, ontem, fez com que se repetisse na Cidade Eterna uma cena que já se tornou comum nas viagens do líder do Cremlin. Multidões foram às ruas para saudar o visitante, com um entusiasmo raramente visto em tais ocasiões.

O povo, nas calçadas, repetiu ali o que ocorreu antes em Washington, Londres, Bonn, Berlim, Varsóvia, Pequim, para não mencionar Havana onde, por razões óbvias, a recepção tinha que ser calorosa. Afinal, a União Soviética virtualmente sustenta Cuba desde 1961. Não há dúvidas, pois, que esse dirigente detém um carisma como poucos estadistas tiveram na segunda metade deste violento século.

Gorbachev, no entanto, é um caso para estudo, tamanha é a confusão que gera no espírito dos analistas políticos. Líderes carismáticos o mundo conheceu muitos, nas derradeiras nove décadas. Mas sua influência sobre os povos, em geral, sempre desembocou em confrontos sangrentos.

Basta que se cite um deles, Adolf Hitler, para comprovar isso. Outros, que não provocaram guerras, nem por isso deixaram de usar uma linguagem de confrontação. E quando fizeram isso, suas palavras não corresponderam, em geral, aos seus atos.

Muitos deles, por exemplo, pregaram a paz, mas agiram no sentido exatamente inverso. Talvez por não atuar dessa maneira é que esse presidente tenha adquirido tamanha popularidade e em tempo tão rápido.

Quem, por mais otimista que fosse, poderia ao menos supor, há somente cinco anos, que um dirigente máximo do Partido Comunista soviético viria a ser o homem mais popular do mundo? Se alguém fizesse uma afirmação desse tipo em 1984, precisaria faze-la em caráter reservado, não sem antes ouvir deboche de seu interlocutor.

Se a previsão fosse feita em público, o infeliz cairia no mais completo ridículo. No entanto, é exatamente isso o que ocorre agora. Por quê? Em primeiro lugar, Gorbachev sabe usar seu charme pessoal. Trata bem a imprensa, cumprimenta a todos que pode e tem sempre um sorriso no rosto. Mas só isso não basta.

Ele prega a paz, ao invés de confrontação. E mais do que isso, faz acompanhar as suas palavras de atos concretos. Por exemplo, prometeu retirar os soldados soviéticos do Afeganistão. E retirou. Assegurou que cada país do Leste da Europa poderia seguir o seu próprio caminho. E não interferiu quando o processo reformista que está fazendo ruir uma estrutura existente há mais de quatro décadas foi posto em marcha.

Num mundo caracterizado por tanta violência, todos querem uma mensagem de paz. Gorbachev soube encampar isso. Daí a sua popularidade, que não pára de crescer. Mas que é insólito, isto ninguém pode negar.

(Artigo publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 30 de novembro de 1989).

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