Hora da verdade
Pedro J.
Bondaczuk
O ensaísta francês Stendhal (e para quem não se lembra, ou
não sabe, este era o pseudônimo de Marie Henri Beyle, nascido em Grenoble,
autor de um dos grandes clássicos da literatura mundial, “O Vermelho e o
Negro”), constatou que muitas pessoas – eu diria a maioria – se deixam enterrar
vivas, por jamais dizerem a que vieram ao mundo. Não trabalham e, quando o
fazem, se contentam com tarefas rotineiras, mecânicas, automáticas e nada
criativas, como as executadas pelo célebre Carlitos no filme “Tempos Modernos”.
Ou não estudam e, quando o fazem, não se empenham a fundo para, de fato,
aprender. Limitam-se a ficar de olho somente no diploma, como se este fosse a
sua redenção. Enfim, não fazem nada que preste aos outros, nem às próprias
famílias. Vegetam, vida afora, como se fossem meros passageiros da espaçonave
Terra. Não são! Ninguém é, pois esta não os comporta. Todos, indistintamente, fazendo
ou não nossa parte, somos tripulantes dessa nave frágil e misteriosa, que
singra o espaço com destino que ignoramos qual seja.
O mais estranho de tudo é que
muitas dessas pessoas são privilegiadas pela natureza, dotadas de rara
inteligência, ou de força descomunal, ou de energia fora do comum, ou de talentos que poucos têm, mas parecem
sequer se dar conta disso. Ou, quando se dão, desperdiçam esses dotes em
atividades inúteis, vazias, sem sentido. Alguns, por exemplo, aplicam sua
excepcional inteligência na tarefa inócua da acumulação de bens. Passam por
cima de tudo e de todos na ânsia de “ter”. Mas não o suficiente para a
sobrevivência ou a manutenção da família, o que, até, seria admissível. De
forma obsessiva, doentia, avarenta e mesquinha, ajuntam mais, muito mais do que
o necessário para viver e a própria capacidade de gastar.
Há os que, na hora da verdade,
diante da iminência da morte, se dão conta da tolice que cometeram. Só que, na
maioria dos casos, essa descoberta se revela tardia. Descobrem que
desperdiçaram a vida por nada. Estes sempre estiveram enterrados vivos e nunca
perceberam. Muitos, contudo, nem nesse momento extremo admitem, ou concluem,
que cometeram esse fatal erro de avaliação.
Há, por outro lado, os que usam a
força física com que foram dotados (e que um dia também decresce até se
extinguir), ou a beleza (ilusória e que tem tempo contado) ou a energia (que
igualmente se esgota) para oprimir, humilhar, agredir, dominar e se sobrepor
aos que foram menos dotados pela natureza e que requerem sua ajuda e proteção e
não sua arrogância e prepotência. Em geral, essas pessoas, ao ficarem velhas
(quando ficam), são as que mais sofrem. Afinal, só lamenta uma grande perda
quem teve o que perder.
Há muitas e muitas outras
situações em que os envolvidos se enterram vivos. Enterram corações. Enterram
cérebros. Enterram emoções. Enterram inteligências. Enterram talentos. Enterram
todo o seu potencial e não conseguem, com sua atitude, mais do que rancores, ou
ressentimentos, ou a ira alheia ou, quando muito, a piedade dos que os cercam.
São perdedores, embora tivessem tudo para vencer.
Os vencedores, por seu turno, às
vezes não são tão inteligentes, ou tão fortes, ou tão belos, ou tão enérgicos.
São dotados, todavia, entre outras virtudes, de uma característica insuperável:
o entusiasmo. São os que muitas vezes tardam a estabelecer objetivos, mas que,
quando o fazem, nomeiam aqueles que sejam compatíveis com a sua capacidade e,
sobretudo, factíveis. Além disso não se limitam a meramente querer que eles se
concretizem: se empenham, a fundo, com cérebro, corpo e alma, na sua busca. E
esbanjam, sobretudo, três palavrinhas, muito curtas, porém fundamentais: sim,
não e oba.
A primeira, é de aceitação de
tudo o que seja positivo, construtivo e sadio. A segunda, é de recusa dos maus
sentimentos, más emoções e maus comportamentos, próprios e/ou alheios. E,
finalmente, a terceira, utilizam para exprimir o encantamento, a alegria e o
entusiasmo pelas vitórias conquistadas, por menores que sejam.
Os vencedores também experimentam
inúmeros fracassos no meio caminho. Estão muito longe da perfeição e têm plena
consciência disso. Mas fazem das próprias vulnerabilidades, fraquezas e
deficiências armas poderosas para o sucesso. Honoré de Balzac, por exemplo, era
uma pessoa extremamente perdulária. Vivia atolado em dívidas e, não raro, os
credores entravam em sua casa e retiravam todos os seus móveis, em troca de
suas dívidas. Por causa desse fator, no entanto, premido pelas circunstâncias,
colocou o máximo de empenho no que sabia fazer de melhor: escrever. Endividado
até a alma, escreveu, escreveu e escreveu furiosamente, com vigor e entusiasmo.
E nos legou, entre tantas obras, os 35 volumes da “Comédia Humana”.
Fedor Dostoievski, por seu turno,
era um jogador inveterado. Não podia ter dinheiro nas mãos que logo se dirigia
a Montecarlo e lá deixava tudo o que havia ganhado com imenso sacrifício. Mas
nunca usou sua desgraça e nem suas desventuras e defeitos pessoais como
desculpas para não fazer nada. Recusou-se a se deixar enterrar vivo (mesmo
quando foi enviado para um campo de trabalhos forçados na Sibéria). Com isso,
legou à humanidade obras marcantes como “Crime e Castigo”, “Irmãos Karamazov” e
“Recordação da Casa dos Mortos”, entre outras. Estes, e tantos outros, souberam
vencer seus vícios, fraquezas e, principalmente, o desânimo (e a conseqüente
tentação da apatia), com a poderosa, quase invencível arma do entusiasmo. E se
eles puderam...
No comments:
Post a Comment