Conflito com aspectos surrealistas
Pedro J.
Bondaczuk
A revelação, feita ontem, pelo jornal norte-americano “The
New York Times”, de que a União Soviética vendeu, secretamente, em dezembro do
ano passado (portanto, um mês após o escândalo das transações norte-americanas
com Teerã terem vindo a público), armas para o Irã, coloca mais um detalhe de
confusão, de nonsense, numa situação já bastante confusa.
Moscou foi tida, até aqui, como
principal sustentáculo do Iraque, na guerra que esse país trava, no Golfo
Pérsico, contra os persas. Tem, inclusive, um tratado de amizade e de defesa
mútua com a República árabe. A ser verdadeira a informação (e não há motivos
para se duvidar de um jornal tão sério quanto é esse tradicional diário
nova-iorquino), o Cremlin estará, portanto, fazendo um condenável jogo duplo
com o seu pretenso aliado.
Aliás, há muito que já se
desconfiava que as duas partes no conflito vinham sendo abastecidas de armas
por todos os lados. Afinal, ainda em 1982, ambas apresentavam visíveis sinais
de exaustão.
As ofensivas iniciais iraquianas,
que chegaram a levar suas tropas bem para o interior do Irã, de repente
perderam o fôlego. Os iranianos, por seu turno, após rechaçarem o adversário
para pouco além de suas fronteiras, também esbarraram em obstáculos magníficos.
Durante os três anos seguintes, a guerra caracterizou-se por meras ações de
desgaste. Por tentativas, das duas partes, de causar colapso econômico no lado
inimigo.
De repente, sem essa ou mais
aquela, o conflito voltou a esquentar. Bagdá passou a promover ações aéreas
cada vez mais longe do seu território, atingindo, em inúmeras oportunidades, a
própria capital persa, além da cidade sagrada de Qom, refúgio do patriarca
xiita, líder espiritual da República Islâmica, o aiatolá Ruhollah Khomeini.
Quando tudo levava a crer que
Teerã iria, finalmente, ceder ao argumento da força e aceitar um cessar-fogo
permanente, para negociar a paz, eis que a gangorra bélica voltou a se
inverter. A capital iraquiana é que passou a ser bombardeada, primeiro
mensalmente, depois, semanalmente e, em algumas ocasiões, até diariamente, por
possantes mísseis de média distância da série “Scud”, que levavam o terror e a
morte ao Iraque.
Aviões do Irã, que há muito não
levantavam do chão, começaram a se fazer presentes, finalmente, no conflito. Os
persas, de repente, adquiriram um vigor inusitado, tomando a Península de Faw,
com seu importante porto, e ameaçando seriamente a Basra, a segunda maior
cidade do seu adversário árabe.
Como esse milagre poderia ter
sido possível sem o dedo das superpotências?! Pois bem, agora se sabe que não
foi apenas uma, mas foram as duas que deram essa injeção de cânfora nos
cambaleantes exércitos iranianos.
A região do Golfo Pérsico envolve
interesses muito maiores do que meras questões ideológicas ou religiosas. Ela é
a veia jugular energética do Ocidente e interessa a Washington e a Moscou
domina-la. E na hora em que entra dinheiro na história, as alianças, acordos e
achegos vão, tranqüilamente, para o espaço.
Recordamo-nos que numa de suas
prédicas das sextas-feiras, na Universidade de Teerã, em setembro do ano
passado, o presidente do Parlamento persa, Hashemi Rafsanjani, alertou as
monarquias árabes da região: “Temos recursos para suportar décadas de guerra. E
dinheiro compra todo o apoio que precisamos”.
Todo esse caso lembra bem aquele
Samba do Crioulo Doido, que foi grande sucesso entre nós no fim dos anos 60.
Como a canção, ele mistura conceitos, personagens, interesses e situações. E os
dois beligerantes, sem que se dêem conta disso, apenas têm servido aos
propósitos (que não são nadinha nobres) do comércio internacional da morte. O
que o fanatismo e a falta de visão política podem fazer com dois povos,
condenados a um secular atraso por causa de uma irrefletida ira!!!
(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 28
de maio de 1987).
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