Responsabilidade histórica
Pedro J. Bondaczuk
Os
parlamentares soviéticos que integram o Congresso de Deputados do Povo desse
país relutaram muito em aprovar, durante esta semana, a nova superpresidência
(que não é tão poderosa assim, já que se compara à norte-americana), solicitada
pelo líder Mikhail Gorbachev. O motivo de tanta vacilação pode ser detectado na
própria milenar história dessa gigantesca nação, que teve toda a sua trajetória
marcada por ditaduras e ditadores, alguns deles terríveis, como o czar Ivan,
que teve esse adjetivo anexado ao seu nome, a título de identificação em
relação a homônimos, para caracterizar suas atitudes face aos adversários
internos e externos. Pode-se dizer, sem receio de equívoco, que jamais o
Império Russo do passado e a União Soviética atual conheceram a autêntica
democracia de perto.
A
era Gorbachev, com todas as eventuais distorções que as reformas empreendidas
por esse líder geraram (ou não conseguiram corrigir) se constitui, sem dúvida
alguma, no período mais livre da superpotência eurasiana. Daí a sucessão de
conflitos de toda a sorte que se sucedem pelo país, com alguns descambando até
mesmo para o terreno movediço da desordem. Democracia é assim mesmo. Não
significa, como alguns insensatos pensam, consenso, ausência de tensões.
Representa, isto sim, uma sábia e judiciosa administração delas, extraindo a
sua extraordinária força e canalizando-a para o desenvolvimento da sociedade.
A
relutância dos parlamentares soviéticos, portanto, na aprovação da presidência
fortalecida, não se tratou, como se chegou a dar a entender, de uma antipatia
pessoal contra Gorbachev. Até porque, quando tal dispositivo foi aprovado, o
líder do Cremlin ainda sequer tinha confirmado se concorreria ou não ao cargo.
O que os deputados temiam era a concessão de uma soma muito grande de poder que
seria enfeixada nas mãos de um único homem, tendo em vista o nada recomendável
retrospecto soviético em termos de gestão da sociedade.
Fossem
candidatos ao posto o primeiro-ministro Nikolai Ryzhkov ou o ministro do
Interior, Vadim Bakatin, e os temores seriam iguais, senão maiores. Cabe,
agora, ao mentor da perestroika, uma responsabilidade muito maior do que aquela
que tinha antes. Além da que se origina da própria natureza da função, ele terá
que demonstrar preparo para ser o primeiro governante democrata de toda a longa
história do seu país. E isto pesa demais nos ombros de qualquer um, mesmo sendo
um verdadeiro "campeão das causas impossíveis" como é este fascinante
e desconcertante político, hoje o estadista mais comentado e popular do mundo.
(Artigo publicado na página
12, Internacional, do Correio Popular, em 16 de março de 1990)
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