Vitória? Que vitória?
Pedro J. Bondaczuk
As
autoridades econômicas ainda festejam uma taxa de inflação em torno de 24%
registrada em dezembro --- a da Ordem dos Economistas, que mede o custo de vida
da classe média, chegou a mais de 25% --- como se houvessem conseguido um
grande feito.
Até
certo ponto, diante das circunstâncias, o fato não deixou de ser uma pequena
"vitória", o que mostra, com o mais cru dos realismos, o porte da
crise brasileira. Principalmente quando se leva em conta o custo social dessa
ligeira desaceleração inflacionária.
A
recessão está sufocando quase todos os setores, os salários estão cada vez mais
achatados e o desemprego ronda os lares de centenas de milhares de famílias.
Pois bem, a taxa de inflação tão celebrada pelo Planalto é equivalente à de
oito anos (não meses e muito menos dias) nos Estados Unidos!
Em
1991, o índice inflacionário acumulado norte-americano foi de 3,1% anual. É
certo que eles também enfrentam uma severa recessão por lá. Todavia, ali houve
resultados compensadores, ao contrário do Brasil. O presidente Fernando Collor,
em entrevista coletiva que concedeu em 14 de fevereiro de 1990, um mês e um dia
antes de sua posse, assinalou: "Esta inflação é caso de polícia. Em 15 de
março estarei declarando meu governo em estado de guerra contra ela".
Naquele
mês, o Índice de Preços ao Consumidor do IBGE (que voltou a ser posteriormente
INPC) registrou olímpicos 72,78%. O IGP, da Fundação Getúlio Vargas, foi
discretamente menor, de 71,68%. Era um descalabro, sem dúvida.
Mas
a economia estava aquecida. Não se falava em desemprego. E os salários, de uma
forma ou de outra, não apresentavam tamanho achatamento. Em 19 de dezembro de
1989, o cientista político, Hélio Jaguaribe, já previa dificuldades quase
insuperáveis para o novo governo reordenar a economia.
"O
presidente eleito, Fernando Collor de Mello, está na condição de alguém que
tenha que se defender de um tigre de Bengala armado com um simples canivete
suíço", escreveu ele, num artigo publicado pelo jornal "Folha de S.
Paulo".
É
verdade que até o momento a fera não o devorou. Em compensação, está acuando
toda a sociedade brasileira. Na Roma antiga, durante o regime do consulado, o
poderoso império teve um cônsul que permaneceu no poder somente por sete horas,
entre o almoço e o jantar.
Foi
o senador Caninio, que mal teve tempo de esquentar o lugar. Sequer pôde
estruturar sua equipe ou gozar sua glória. Dele, o mordaz Cícero disse:
"Durante o consulado desse homem ninguém comeu e ninguém dormiu".
O
dito chistoso espalhou-se por todo o império. Onde quer que Caninio fosse, era
recepcionado com tal afirmação, o que levou o desditoso ex-cônsul a cometer
suicídio. Antes de se matar, sentenciou: "Foi Cícero que me matou".
Guardadas
as devidas proporções, milhões de brasileiros correm o risco, por outros
motivos, de terem de repetir, figuradamente, essa mesma declaração. Caso a
recessão continue se acentuando, o desemprego crescendo, o poder de compra se
reduzindo e os preços galopando, sem que da sociedade venha a emergir nenhuma
luz, qualquer solução ditada de baixo para cima, cada cidadão desse País talvez
venha a dizer em janeiro de 1995: "Durante este governo ninguém comeu (o
suficiente) e ninguém dormiu (de preocupação)".
(Artigo
publicado na página 3, Opinião, do Correio Popular, em 19 de janeiro de 1992).
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