Surrealismo
econômico
Pedro J. Bondaczuk
A economia brasileira é tão surrealista, que para
entender o seu funcionamento ou, quem sabe, conseguir o seu conserto, seria o
caso de ressuscitar o escritor checo Franz Kafka, e mesmo ele, com certeza, não
saberia como agir diante desse imenso absurdo.
Desde 1982 – quando os cidadãos, estarrecidos, foram
cientificados de que o apregoado “milagre econômico” nunca existiu, que o País
(ou seus tecnocratas) optou por uma estratégia recessiva, mais branda ou mais
severa, conforme as circunstâncias e o poderoso de plantão para combater a
inflação – o povo vive um pesadelo sem fim.
Não contentes em deter o desenvolvimento, numa
sociedade com crescimento populacional em torno de 2,5% anuais (nos últimos
anos esta taxa regrediu para cerca de 1,9%), alguns “gênios” milagreiros foram
mais longe em seu atrevimento. Transformaram o Brasil num imenso “laboratório”
de testes, para experimentar suas teorias do tipo congelamento, confisco da
poupança, tablitas e outras tantas maluquices, com as quais convivemos nos
últimos onze e tormentosos anos.
O resultado, nem é preciso que ninguém o diga, todos
sabem qual foi. Hoje, o Brasil é o recordista mundial de inflação, ao lado da
desorganizada e atarantada Rússia, a despeito da dose cavalar de recessão que
trabalhadores e empresários tiveram que suportar no ano passado.
Agora, manifestam-se tímidos e ainda vacilantes
sintomas de reaquecimento econômico. Pelo menos o consumo volta a crescer,
estimulado pelos saques da poupança ou pela desova das parcas economias do
milagroso do brasileiro – o cidadão sim é que fez milagres, sobrevivendo com
salários mais do que achatados, esmagados – embora de forma ainda intermitente.
Qual o resultado disso? A manifestação de um surto
inflacionário de demanda. Trocando em miúdos, manifesta-se, neste momento,
maior procura por determinados produtos, do que sua oferta. E os preços vão às
nuvens. E nem poderia ser diferente depois do angustioso ano de 1992,
inesquecível, pelo pior aspecto, para a maioria esmagadora dos cidadãos.
Ocorre que a lei natural de mercado é inflexível.
Nesta, ninguém consegue atuar para distorcê-la. Nenhuma regra artificial a
sobrepuja. Sempre que a oferta de determinados produtos ou serviços supera a
demanda, os preços caem. E vice-versa.
E faz sentido essa subida das taxas que medem o
custo de vida para um novo patamar, aí por volta dos 30% mensais. A indústria
foi apanhada no contrapé, após um terribilíssimo ano de crise, quando
investimentos foram adiados, unidades – quando não fábricas inteiras – foram
desmobilizadas e a capacidade produtiva foi reduzida ao mínimo possível. Ou
seja, a opção que nos é colocada é das mais perversas. Ou a economia permanece
desaquecida, com suas terríveis seqüelas sociais, como desemprego, fome e miséria
crescentes, ou se reaquece, com a ameaça de um subproduto tão perverso e
indesejável como é a hiperinflação.
É ou não é um processo louco, surrealista,
absurdissimamente absurdo?! O reaquecimento econômico, sem dúvida é, não
somente desejável, como necessário. Mas o processo deve ser conduzido de forma
sábia, inteligente, gradual e controlada. E, acima de tudo, é indispensável que
os agentes produtivos se convençam de que as regras permanecerão imutáveis e
que o nosso período de “cobaias” já ficou para sempre no passado. Teria o
governo Itamar condições de dar essa segurança ao País? Se tiver, com todos os
seus vacilos e sua inércia, passará para a história como o verdadeiro “salvador
da pátria”.
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio
Popular, em 14 de abril de 1993)
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