Sunday, October 30, 2016

Surrealismo econômico



Pedro J. Bondaczuk


A economia brasileira é tão surrealista, que para entender o seu funcionamento ou, quem sabe, conseguir o seu conserto, seria o caso de ressuscitar o escritor checo Franz Kafka, e mesmo ele, com certeza, não saberia como agir diante desse imenso absurdo.

Desde 1982 – quando os cidadãos, estarrecidos, foram cientificados de que o apregoado “milagre econômico” nunca existiu, que o País (ou seus tecnocratas) optou por uma estratégia recessiva, mais branda ou mais severa, conforme as circunstâncias e o poderoso de plantão para combater a inflação – o povo vive um pesadelo sem fim.

Não contentes em deter o desenvolvimento, numa sociedade com crescimento populacional em torno de 2,5% anuais (nos últimos anos esta taxa regrediu para cerca de 1,9%), alguns “gênios” milagreiros foram mais longe em seu atrevimento. Transformaram o Brasil num imenso “laboratório” de testes, para experimentar suas teorias do tipo congelamento, confisco da poupança, tablitas e outras tantas maluquices, com as quais convivemos nos últimos onze e tormentosos anos.

O resultado, nem é preciso que ninguém o diga, todos sabem qual foi. Hoje, o Brasil é o recordista mundial de inflação, ao lado da desorganizada e atarantada Rússia, a despeito da dose cavalar de recessão que trabalhadores e empresários tiveram que suportar no ano passado.

Agora, manifestam-se tímidos e ainda vacilantes sintomas de reaquecimento econômico. Pelo menos o consumo volta a crescer, estimulado pelos saques da poupança ou pela desova das parcas economias do milagroso do brasileiro – o cidadão sim é que fez milagres, sobrevivendo com salários mais do que achatados, esmagados – embora de forma ainda intermitente.

Qual o resultado disso? A manifestação de um surto inflacionário de demanda. Trocando em miúdos, manifesta-se, neste momento, maior procura por determinados produtos, do que sua oferta. E os preços vão às nuvens. E nem poderia ser diferente depois do angustioso ano de 1992, inesquecível, pelo pior aspecto, para a maioria esmagadora dos cidadãos.

Ocorre que a lei natural de mercado é inflexível. Nesta, ninguém consegue atuar para distorcê-la. Nenhuma regra artificial a sobrepuja. Sempre que a oferta de determinados produtos ou serviços supera a demanda, os preços caem. E vice-versa.

E faz sentido essa subida das taxas que medem o custo de vida para um novo patamar, aí por volta dos 30% mensais. A indústria foi apanhada no contrapé, após um terribilíssimo ano de crise, quando investimentos foram adiados, unidades – quando não fábricas inteiras – foram desmobilizadas e a capacidade produtiva foi reduzida ao mínimo possível. Ou seja, a opção que nos é colocada é das mais perversas. Ou a economia permanece desaquecida, com suas terríveis seqüelas sociais, como desemprego, fome e miséria crescentes, ou se reaquece, com a ameaça de um subproduto tão perverso e indesejável como é a hiperinflação.

É ou não é um processo louco, surrealista, absurdissimamente absurdo?! O reaquecimento econômico, sem dúvida é, não somente desejável, como necessário. Mas o processo deve ser conduzido de forma sábia, inteligente, gradual e controlada. E, acima de tudo, é indispensável que os agentes produtivos se convençam de que as regras permanecerão imutáveis e que o nosso período de “cobaias” já ficou para sempre no passado. Teria o governo Itamar condições de dar essa segurança ao País? Se tiver, com todos os seus vacilos e sua inércia, passará para a história como o verdadeiro “salvador da pátria”.    

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 14 de abril de 1993)


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