Wednesday, October 26, 2016

Segundo precioso


Pedro J. Bondaczuk


A maioria das pessoas, entre os mais de sete bilhões e meio de indivíduos que povoam a Terra nesta reta final de 2016, ainda não se conscientizou da escassez do seu tempo de existência (impossível de se saber de quantos anos, meses, dias, horas, minutos ou segundos será). Estamos todos em uma trágica corda-bamba balançando sobre o abismo do não-ser, sem nos darmos conta dessa primária realidade.

Mesmo os raríssimos "heróis" da sobrevivência, que logram festejar um centenário ou quase, não podem afirmar que viveram muito. Em termos relativos, este é um tempo extremamente escasso, ínfimo e irrisório. O organismo humano foi programado para funcionar bem por pelo menos 120 anos, o que também não é grande coisa. Por que não funciona? Por uma série de razões, mais subjetivas do que objetivas que, no entanto, não explicam coisa alguma. Mais confundem do que esclarecem.

A morte não tem e nunca teve lógica. Jamais terá! É uma loteria macabra, que escolhe qualquer pessoa, em qualquer hora ou lugar, de forma sempre aleatória. O homem, com toda a sua empáfia e arrogância, é impotente para se defender dela. Há bebês que vivem algumas poucas horas (ou nem isso), enquanto doentes terminais sobrevivem às doenças que lhes corroem as entranhas e lhes minam a resistência orgânica por dez, quinze, vinte anos ou mais, contrariando toda e qualquer lógica.

E não se morre apenas em decorrência da ação de vírus ou bactérias ou de deficiências congênitas, genéticas, ou então de disfunções provocadas por hábitos inadequados, quando não suicidas. Acidentes de toda a sorte ceifam milhares de vidas, diariamente, em várias partes do mundo. A violência, por seu turno, cobra pesadíssimo tributo dos instintos mais baixos, e da ausência de amor, do ser humano. Além de guerras e revoluções, homicídios hediondos, praticados pelos motivos mais torpes e banais, interrompem, abruptamente, a vida de indivíduos no pleno gozo de saúde perfeita, sem que esses possam prever e evitar. Trata-se, de fato, de uma "loteria" macabra, da qual ninguém quer ser "sorteado". Mas alguém sempre é.

Somos, todos, constantemente, ameaçados por estas terríveis contingências, contra as quais somos absolutamente impotentes. Ninguém está seguro. A segurança absoluta é ficção. Estamos sujeitos, por exemplo, a sofrer, a qualquer momento e lugar, assalto armado, na rua, no trabalho, ou em nossa própria casa, e a ser atingidos por disparos de armas de fogo, ou por esfaqueamento, ou agredidos por objetos contundentes etc. A morte nos espreita, a cada segundo, e em todo o lugar, sem que nos demos conta disso. Julgamo-nos invulneráveis e imortais.

Mais importante do que a quantidade de anos vividos, todavia, é a qualidade da vida que se leva. E esta, teoricamente, está em nossas mãos determinar. Importa (e muito) o que se pensa, como se age e a forma com que reagimos diante das adversidades. É certo que sozinhos não podemos modificar o mundo, mas temos plenas condições de contribuir para isso. O "apóstolo da não-violência" (que no entanto foi ceifado por ela), o Mahatma Gandhi, observou, num discurso famoso: "Se um único homem atingir a mais elevada qualidade de amor, isto será suficiente para neutralizar o ódio de milhões".

Quem vive somente para si, sem ligar a mínima para o próximo, pode até parecer que leve vantagens sobre os demais, pelo ilusório poder que eventualmente detém e pela quantidade de satisfações sensoriais que goza. Mas depois que morre... A maioria dos que agem dessa forma não deixa o mínimo vestígio de que sequer existiu, pouco depois da extinção física, tão logo seja partilhado seu espólio. Sua morte será um alívio geral. Tal pessoa, com toda sua arrogância e prepotência, não passou de uma vida inútil e parasitária. Machado de Assis, no romance "Dom Casmurro", observou: "Matamos o tempo, o tempo nos enterra". A afirmação é muito mais do que mero jogo de palavras. Basta refletir sobre seu significado.

Cada segundo da nossa existência é preciosíssimo, posto que único (pode ser o último) e devemos ser avaros com ele, não o desperdiçando com tolices, lamúrias, banalidades e ninharias. E nem é tão difícil sobreviver  na memória dos pósteros, bastando, para isso, ser "conhecido" e ter "fama" de haver produzido alguma coisa (obra, idéia, opinião etc.) em favor da comunidade, mesmo que isso não haja ocorrido de fato, ou não tenha a importância que lhe seja atribuída. Pois, como assinalou Jorge Luís Borges, no poema "Aonde Terão Ido?" (livro "Obras Completas", vol. V, Editora Globo):

"Não se aflija.
Na memória
dos tempos que vêm
cada qual de nós será
duro e audaz como ninguém.
Os vis serão generosos
e os fracos, bravos e altivos,
não há nada como a morte
para melhorar os vivos".

Seria isso um consolo? Prefiro a insegura e inconstante "gangorra" da vida, com seus perigos e incertezas. E, se fosse possível, eternamente...



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