Segundo
precioso
Pedro J. Bondaczuk
A maioria das pessoas, entre os mais de sete bilhões
e meio de indivíduos que povoam a Terra nesta reta final de 2016, ainda não se
conscientizou da escassez do seu tempo de existência (impossível de se saber de
quantos anos, meses, dias, horas, minutos ou segundos será). Estamos todos em
uma trágica corda-bamba balançando sobre o abismo do não-ser, sem nos darmos
conta dessa primária realidade.
Mesmo os raríssimos "heróis" da
sobrevivência, que logram festejar um centenário ou quase, não podem afirmar
que viveram muito. Em termos relativos, este é um tempo extremamente escasso,
ínfimo e irrisório. O organismo humano foi programado para funcionar bem por
pelo menos 120 anos, o que também não é grande coisa. Por que não funciona? Por
uma série de razões, mais subjetivas do que objetivas que, no entanto, não
explicam coisa alguma. Mais confundem do que esclarecem.
A morte não tem e nunca teve lógica. Jamais terá! É
uma loteria macabra, que escolhe qualquer pessoa, em qualquer hora ou lugar, de
forma sempre aleatória. O homem, com toda a sua empáfia e arrogância, é
impotente para se defender dela. Há bebês que vivem algumas poucas horas (ou
nem isso), enquanto doentes terminais sobrevivem às doenças que lhes corroem as
entranhas e lhes minam a resistência orgânica por dez, quinze, vinte anos ou
mais, contrariando toda e qualquer lógica.
E não se morre apenas em decorrência da ação de
vírus ou bactérias ou de deficiências congênitas, genéticas, ou então de
disfunções provocadas por hábitos inadequados, quando não suicidas. Acidentes
de toda a sorte ceifam milhares de vidas, diariamente, em várias partes do
mundo. A violência, por seu turno, cobra pesadíssimo tributo dos instintos mais
baixos, e da ausência de amor, do ser humano. Além de guerras e revoluções,
homicídios hediondos, praticados pelos motivos mais torpes e banais,
interrompem, abruptamente, a vida de indivíduos no pleno gozo de saúde
perfeita, sem que esses possam prever e evitar. Trata-se, de fato, de uma
"loteria" macabra, da qual ninguém quer ser "sorteado". Mas
alguém sempre é.
Somos, todos, constantemente, ameaçados por estas
terríveis contingências, contra as quais somos absolutamente impotentes.
Ninguém está seguro. A segurança absoluta é ficção. Estamos sujeitos, por
exemplo, a sofrer, a qualquer momento e lugar, assalto armado, na rua, no
trabalho, ou em nossa própria casa, e a ser atingidos por disparos de armas de
fogo, ou por esfaqueamento, ou agredidos por objetos contundentes etc. A morte
nos espreita, a cada segundo, e em todo o lugar, sem que nos demos conta disso.
Julgamo-nos invulneráveis e imortais.
Mais importante do que a quantidade de anos vividos,
todavia, é a qualidade da vida que se leva. E esta, teoricamente, está em
nossas mãos determinar. Importa (e muito) o que se pensa, como se age e a forma
com que reagimos diante das adversidades. É certo que sozinhos não podemos
modificar o mundo, mas temos plenas condições de contribuir para isso. O
"apóstolo da não-violência" (que no entanto foi ceifado por ela), o
Mahatma Gandhi, observou, num discurso famoso: "Se um único homem atingir
a mais elevada qualidade de amor, isto será suficiente para neutralizar o ódio
de milhões".
Quem vive somente para si, sem ligar a mínima para o
próximo, pode até parecer que leve vantagens sobre os demais, pelo ilusório
poder que eventualmente detém e pela quantidade de satisfações sensoriais que
goza. Mas depois que morre... A maioria dos que agem dessa forma não deixa o
mínimo vestígio de que sequer existiu, pouco depois da extinção física, tão
logo seja partilhado seu espólio. Sua morte será um alívio geral. Tal pessoa,
com toda sua arrogância e prepotência, não passou de uma vida inútil e
parasitária. Machado de Assis, no romance "Dom Casmurro", observou: "Matamos
o tempo, o tempo nos enterra". A afirmação é muito mais do que mero jogo
de palavras. Basta refletir sobre seu significado.
Cada segundo da nossa existência é preciosíssimo,
posto que único (pode ser o último) e devemos ser avaros com ele, não o desperdiçando
com tolices, lamúrias, banalidades e ninharias. E nem é tão difícil
sobreviver na memória dos pósteros,
bastando, para isso, ser "conhecido" e ter "fama" de haver
produzido alguma coisa (obra, idéia, opinião etc.) em favor da comunidade, mesmo
que isso não haja ocorrido de fato, ou não tenha a importância que lhe seja
atribuída. Pois, como assinalou Jorge Luís Borges, no poema "Aonde Terão
Ido?" (livro "Obras Completas", vol. V, Editora Globo):
"Não se
aflija.
Na memória
dos tempos que
vêm
cada qual de
nós será
duro e audaz
como ninguém.
Os vis serão
generosos
e os fracos,
bravos e altivos,
não há nada
como a morte
para melhorar
os vivos".
Seria isso um consolo? Prefiro a insegura e
inconstante "gangorra" da vida, com seus perigos e incertezas. E, se
fosse possível, eternamente...
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