Obra-prima
Pedro J. Bondaczuk
A concretização de uma obra-prima, que seja marcante
e intemporal, permanente e imperecível, exata e definitiva, é a ambição de todo
o artista, seja de que arte for. Claro que este também é um sonho que venho
perseguindo há anos. É possível que já a tenha produzido entre os milhares de
textos que escrevi e publiquei e que só não me tenha dado conta disso. O
veículo que tenho utilizado, o jornal, não se presta às idéias permanentes. É
produzido, consumido e esquecido com uma velocidade muito grande, que aumenta
com a implantação de novas e sofisticadas tecnologias. O mais provável, porém,
é que ainda esteja à espera de ser produzida, no aguardo do momento certo, da
oportunidade, que a rigor me compete criar ou provocar, para vir a lume.
Fiz, durante anos, incursões pela poesia, mas obtive
pouco espaço para exibir meus trabalhos e testar sua aceitação. Tive breve
passagem pelo conto, mas por ser um gênero que demanda tempo para ser bem
trabalhado, acabei relegando a produção de histórias --- algumas premiadas em
concursos regionais --- para uma ocasião "mais propícia". Talvez esta
seja uma desculpa para ir adiando uma tarefa que deveria ser inadiável. Ainda
assim, dois, dos meus quatro livros publicados – “Contos de Natal” e “Lance
fatal” – são desse gênero. Dos outros dois, um é de ensaios – “Por uma nova
utopia” – e o outro de crônicas – “Cronos e Narciso”.
Ao adiar, não especificamente a redação, mas a
publicação de novas obras, é possível que eu venha agindo como inúmeros
personagens de filmes que assisti que, sem terem escrito um único livro (o que,
aliás, não é o meu caso) tendo, no máximo, esboçado alguns capítulos ou
páginas, proclamam aos quatro ventos que estão elaborando "a grande novela
americana". Finda-se a história, e nada. Não tinham sequer o cacoete de
escritores.
No meu caso, tenho vasta produção, mas o que falta é
um veículo que lhe dê certa permanência, que lhe confira alguma sobrevivência.
E, sobretudo, que exponha esses trabalhos à crítica que realmente importa: a
dos seus destinatários finais: os leitores. Como? Da maneira mais prática
possível: comprando ou deixando de comprar meus livros. Para tanto, porém,
preciso publicá-los. E não apenas os quatro que já publiquei. Porém, isto
demanda tempo, paciência e muito esforço. Requer que haja oportunidades por
parte de editores, coisa que até aqui tive muito pouco.
Muitas vezes, as circunstâncias ameaçam conduzir-me
ao desânimo, pondo em risco de colapso o maior sonho que tenho na vida --- que
confessei publicamente em recente crônica --- que é o de ser escritor. Que é o
de ganhar o meu pão de cada dia com a inspiração e, sobretudo, transpiração
advinda dessa nobilíssima tarefa de revestir idéias com palavras corretas,
medidas, exatas e adequadas. O romancista sergipano, Francisco Dantas, escreveu
que "a vida quebra a gente, amolece a moleira e enverga até o
pensamento". O sucesso tem um preço na maioria das vezes alto demais que
nem vale a pena pagar. Por enquanto, venho pagando-o, sem levar "o
produto". Pelo menos, não todo ele.
Minha pretensão é concluir o romance, que venho
escrevendo aos poucos, mas que permanece encruado já por dez anos. Trata-se de
empreitada que requer verdadeira estratégia de guerra. É preciso agir, em
primeiro lugar, como arquiteto, para planejá-lo. Depois, como engenheiro, para
calcular sua estrutura e fornecer base sólida de idéias. Depois, como pedreiro,
assentando tijolo a tijolo, com sólida argamassa e com o concreto do talento.
Finalmente, vem o revestimento do estilo, das palavras medidas, das tiradas
inteligentes, das frases, sentenças, períodos e parágrafos sonoros, ritmados,
bonitos. Como na construção de um edifício, esse processo demanda tempo e
organização. Mas a sustentação da vida tem prioridade. A manutenção pessoal e
da família é mais urgente e inadiável. Aí reside o conflito.
Outra luta é a travada conosco, com nossas
tendências, com nossas deficiências culturais, com nossos lapsos de memória ou
de observação. Machado de Assis, em crônica publicada no volume III do livro
"A Semana", escreveu: "Se eu houvesse de definir a alma humana,
diria que ela é uma casa de pensão. Cada quarto abriga um vício ou uma virtude.
Os bons são aqueles em que o vício dorme sempre e as virtudes velam e os
maus..." Por este parâmetro, estou no meio termo. Vícios e virtudes, ambos,
não têm tempo para se manifestar. Escrevo no mínimo 14 horas por dia. Nas dez
restantes, durmo seis e quatro dedico à higiene e locomoção.
Com toda essa jornada, estou longe da realização.
Não me refiro à financeira, já que essa não vou conseguir nunca. Já estou
conformado com essa certeza, até porque bens materiais nunca foram o meu
fascínio. Dalton Trevisan, "o vampiro de Curitiba", constatou:
"O bom escritor nunca se realiza: a obra é sempre inferior ao sonho. O
escritor é irmão de Caim e primo distante de Abel". Se sou bom ou não, não
tenho a mais remota noção. Mas estou muito, muitíssimo distante da realização.
A obra que produzi está mil anos-luz longe dos delirantes sonhos que
acalento.
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