Monday, October 03, 2016

Pressupostos da concórdia


Pedro J. Bondaczuk


O carismático ex-presidente norte-americano, Ronald Reagan, analisando as dramáticas e rápidas mudanças que se verificam atualmente no Leste europeu, previu, ontem, em Tóquio, que o século XXI vai marcar a maior época de paz já vivida pela humanidade talvez em toda a sua história.

Previsões, aliás, principalmente quando envolvem grandes períodos, costumam ser perigosas. Quase nunca se concretizam. Tempos atrás, publicamos uma página inteira no Correio Popular analisando algumas dessas extrapolações, que na ocasião em que foram feitas, pareciam extremamente lógicas. Hoje, soam como ridículas.

Reagan, no entanto, já tem um antecedente de acerto, o que aumenta a sua credibilidade. Em 1981, após ter assumido a Presidência para o seu primeiro mandato, ele previu a derrocada do comunismo antes da virada deste século. E o que está se verificando através do mundo?

Desta vez, o ex-presidente norte-americano está se baseando somente neste fator. Deixou implícito que, no seu entender, apenas a chamada “Guerra Fria” era o grande desestabilizador, tendente a comprometer a paz mundial. Realmente a humanidade poderá atingir esta desejável situação de harmonia, desde que alguns gravíssimos problemas venham a ser resolvidos.

O primeiro deles é o da miséria que afeta a mais de 2,5 bilhões de seres humanos. Esse estado tão sonhado de concórdia entre os homens jamais poderá ser atingido enquanto 1,2 bilhão de pessoas continuarem morando em favelas. Enquanto 100 milhões não tiverem qualquer espécie de teto sobre suas cabeças. Enquanto 200 milhões de pais de família não arranjarem empregos para sustentar aos que deles dependem. Enquanto um bilhão de indivíduos permanecerem nas trevas do analfabetismo. Enquanto 40 crianças continuarem morrendo a cada minuto por causa da fome e de suas seqüelas, enquanto existe tanto desperdício. A guerra contra a miséria não é fria e nem quente: é quentíssima. Está num ponto de fervura, embora a maioria dos estadistas não perceba (ou finja não perceber) a sua gravidade.

O mundo poderá conhecer, sim, um longo período de paz, talvez de mais de cem anos, quando a totalidade dos direitos humanos for respeitada. Quando ninguém mais for parar em nauseabundas prisões por causa de suas convicções políticas ou religiosas. Quando regime ou sistema alguma classificar pessoas como se faz com animais, através de "raças". Quando não houver mais este crime hediondo chamado tortura, em que a dignidade de certos indivíduos é enxovalhada por seus semelhantes.

Estes são os principais pressupostos para a paz. Enquanto tais problemas não forem solucionados, as perspectivas não são, e nem podem ser, otimistas. Ou alguém duvida disso?

(Artigo publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 26 de outubro de 1989)

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