Escola de humanidade
Pedro J. Bondaczuk
Os amigos – e não
apenas os que convivem comigo no dia a dia, mas também os “virtuais”, cuja
amizade prezo demais, alguns dos quais com contatos contínuos, praticamente
ininterruptos, que já duram quinze anos – volta e meia me cobram para que
escreva mais vezes sobre o “cenáculo informal” de que participei, já faz algum
tempo, em um bar aqui de Campinas, por anos a fio. Sem exagero, classifico-o
como uma escola de humanidade. Guardadas as devidas proporções, comparo-o à
Academia de Platão, na Grécia Antiga. Escrevi bastante sobre esses encontros,
que aconteciam, com absurda pontualidade, todas as sextas-feiras, depois do
expediente de trabalho dos participantes, e o leitor é testemunha disso. Houve
ano, por exemplo, em que não houve um único final de semana em que essas
reuniões deixaram de acontecer. Tínhamos hora para começar nossas tertúlias
(essa tirei lá do fundo do baú). Mas não havia horário para elas terminarem.
Houve ocasiões em que
elas vararam a madrugada, o que me complicou sobremaneira em casa. Haja
desculpas para dar à mulher!! Mas... como bom “equilibrista”, sobrevivi.
Contando, claro, com a compreensão da cara metade, que acreditava em mim (ou
pelo menos dava essa impressão), principalmente na versão que eu lhe dava,
convencida que, fosse qual fosse o motivo que me fazia chegar, às
sextas-feiras, alta madrugada em casa, isso não se devia a nenhuma “esbórnia”.
Ademais, não se devia mesmo. Observe-se que um bom casamento, um casamento
sadio e duradouro, só se mantém na base da mútua e irrestrita confiança. E isso
nós tínhamos (e temos mais do que nunca).
Embora eu já tenha
apresentado, em crônicas anteriores, os participantes cativos desse cenáculo
informalíssimo (e põe informalidade nisso!), sem regras e nem compromissos,
nunca é demais repetir a apresentação, notadamente para os que me leem pela
primeira vez (e que espero que não seja pela última). Compunha-se este círculo
de palpiteiros, além deste cronista (claro), o Marcelo, estudante de História;
o Marcão, que é advogado; o Nelson, psicólogo e o Zito, que é sociólogo, mas
que trabalha, ou pelo menos trabalhava como gerente de banco. Algum tempo
depois, o professor João, que é filósofo, mas que leciona Matemática num
conhecido colégio particular da cidade, de tanto dar pitacos em nossas
conversas, acabou incorporado, como membro pleno.
Tínhamos a postura de
quem se propõe a “salvar o mundo”, entre goles de cerveja e tira-gostos
variados (que ninguém é de ferro!). Tratávamos de tudo e de todos, não raro aos
berros, com cada um querendo impor sua opinião, na marra, aos demais. Não havia
assunto tabu, embora evitássemos de tratar de política, não da parte teórica e
conceitual dessa nobre ciência, mas dessa comezinha, indecente e corrupta, como
a praticada pelos nossos representantes, salvo honrosas exceções. Os assuntos
abrangiam, por exemplo, conceitos de economia, filosofia, história, artes,
esportes etc.etc.etc. E põe etecetera nisso!
Vez por outra, exaltávamo-nos e escapava
algum palavrão, desses muito cabeludos, proibidos para menores, no calor da
refrega. Parecíamos galos de briga em alguma rinha. Raramente havia consenso,
fosse qual fosse o assunto em discussão.
Todavia nossas “brigas”
eram apenas aparentes. Só enganavam os que não nos conheciam. Éramos enfáticos
(não nego que com exagero) e não briguentos. Aliás, essa ênfase exagerada é que
dava graça às reuniões. Éramos, antes e acima de tudo, amigos, embora para quem
não integrasse aquela panelinha não parecesse. A despeito das cobranças dos
leitores para que escreva mais a esse respeito (e na minha pauta, são eles que
mandam), observo que já escrevi bastante sobre aquelas memoráveis e tensas noitadas
(provavelmente) mais do que deveria. Mas... O que fazer? Escreverei muito mais.
Sou assim mesmo! Sou exagerado quando gosto de alguém ou de alguma coisa.
Esse cenáculo informal,
com todas as besteiras que lá se diziam, foi, para mim, a melhor escola que já frequentei.
Opiniões, por exemplo, que eu nunca teria coragem de emitir em qualquer outro
lugar, emitia ali, com aqueles queridos amigos, irmãos espirituais, raramente
apoiadas e invariavelmente contestadas por todos. Aprendi a raciocinar fora dos
padrões convencionais, sem ter que me ater a qualquer regra ou restrição.
Desenvolvi meu senso crítico, fugindo de clichês e de dogmas tido como
indiscutíveis, mas nem sempre fundamentados em fatos.
Não sei dizer se o
grupo continua se reunindo (presumo que não). A vida, com suas circunstâncias
aleatórias, porém, levou-me para outros caminhos. Há cinco anos afastei-me, por
motivos de “força maior”, desses meus irmãos de alma. A idade relativamente
avançada (caminho, celeremente, para os 74 anos), forçou-me a uma quase
absoluta reclusão. Nos últimos quatro anos, ninguém (a não ser os amigos que
freqüentam minha casa e os meus parentes) viu minha cara. Não pus os pés fora
do portão deste meu mundinho particular uma única e reles vez. Por questão de
prudência, evito, ao máximo a exposição, tudo o que possa representar, mesmo
que remotamente, risco à minha integridade física.
Ademais, como sonhei a
vida toda, hoje dedico-me, integralmente, à Literatura, com 14 horas diárias de
atividade (entre pesquisa, leitura e redação de textos), embora não haja
nenhuma editora interessada na publicação do produto dessa intensíssima
atividade. Então, por que escrevo? Para partilhar o que sei, o que penso, o que
sou e o que crio com quem quiser usufruir dessa vastíssima produção, tanto em
prosa quanto em verso, tanto em ficção quanto em não-ficção. O leitor é
testemunha. Voltarei a tratar do assunto.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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