Justiça
surrealista
Pedro J. Bondaczuk
A União Soviética, diante
da política de “transparência”, ou “glasnost”, implantada por seu líder,
Mikhail Gorbachev, passou, desde fins de 1986, a trazer ao público (interno e
do Exterior) todas as mazelas cometidas no país. Diante disso, fatos
estarrecedores, nos mais diversos campos de atividades, têm sido denunciados
pela imprensa estatal, numa atitude que não deixa de ser corajosa.
Deve-se
admitir que a autocrítica não chega a ser um ato cômodo ou tranqüilo. E isso
não quer dizer que somente esse país, fechado por tantos anos para o mundo,
tenha distorções de toda a sorte nos vários estamentos da sua sociedade.
Muitos
outros, tidos e havidos como modelares, arrepiariam os cabelos da gente se
divulgassem todas as coisas erradas cometidas sob as “bênçãos” das suas
autoridades, quando não por sua ordem.
Mas
o caso do cidadão G. Mikhasevich, da Bielorrússia, demonstra como a “justiça”
vinha sendo administrada na União Soviética. Até que a polícia chegasse a ele, como
o responsável por assassinatos de mulheres (foram 33 as mortas em 15 anos),
doze suspeitos foram presos, julgados e condenados. Separadamente, é lógico.
Ora,
cometer-se um erro judiciário é normal em qualquer lugar do mundo, posto que
lamentável. Principalmente quando o inquérito é mal instruído, o advogado de
defesa é imperito ou os jurados se deixam levar pelas evidências, sem se ater
apenas às provas.
Dois
erros desse tipo já chega a ser incompetência, mas com um pouquinho de boa
vontade ainda se aceita. Mas 12!!! É, sem dúvida, uma aberração, digna de
figurar no “Guiness Book”, o célebre livro dos recordes mundiais!
Quem
pode garantir, por outro lado, que o cidadão Mikhasevich, fuzilado anteontem,
seja o verdadeiro culpado?! Um aparato judiciário que errou 12 vezes num único
caso, tendo que pedir desculpas aos 12 prejudicados (na verdade caberia ao
Estado pagar “gordas” indenizações aos lesados), pode, perfeitamente cometer
uma décima-terceira falha do tipo. E muitas mais!
Se
no plano da justiça penal acontece isso, imagine o leitor quando se trata de
crime político! Quanta gente deve Ter sido condenada apenas baseada em
denúncias de “puxa-sacos” de plantão, de burocratas corruptos do Partido
Comunista!
Por
isso, a “glasnost” não é um luxo, ou uma magnanimidade de Mikhail Gorbachrev. É
uma questão de salvação nacional, para impedir que tanta bobagem continue
acontecendo nas sombras, transformando a URSS numa “superpotência do
surrealismo”, de botar Salvador Dali “dentro do chinelo”.
(Artigo
publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 4 de fevereiro de
1988).
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