Saturday, October 22, 2016

Justiça surrealista


Pedro J. Bondaczuk


A União Soviética, diante da política de “transparência”, ou “glasnost”, implantada por seu líder, Mikhail Gorbachev, passou, desde fins de 1986, a trazer ao público (interno e do Exterior) todas as mazelas cometidas no país. Diante disso, fatos estarrecedores, nos mais diversos campos de atividades, têm sido denunciados pela imprensa estatal, numa atitude que não deixa de ser corajosa.

Deve-se admitir que a autocrítica não chega a ser um ato cômodo ou tranqüilo. E isso não quer dizer que somente esse país, fechado por tantos anos para o mundo, tenha distorções de toda a sorte nos vários estamentos da sua sociedade.

Muitos outros, tidos e havidos como modelares, arrepiariam os cabelos da gente se divulgassem todas as coisas erradas cometidas sob as “bênçãos” das suas autoridades, quando não por sua ordem.

Mas o caso do cidadão G. Mikhasevich, da Bielorrússia, demonstra como a “justiça” vinha sendo administrada na União Soviética. Até que a polícia chegasse a ele, como o responsável por assassinatos de mulheres (foram 33 as mortas em 15 anos), doze suspeitos foram presos, julgados e condenados. Separadamente, é lógico.

Ora, cometer-se um erro judiciário é normal em qualquer lugar do mundo, posto que lamentável. Principalmente quando o inquérito é mal instruído, o advogado de defesa é imperito ou os jurados se deixam levar pelas evidências, sem se ater apenas às provas.

Dois erros desse tipo já chega a ser incompetência, mas com um pouquinho de boa vontade ainda se aceita. Mas 12!!! É, sem dúvida, uma aberração, digna de figurar no “Guiness Book”, o célebre livro dos recordes mundiais!

Quem pode garantir, por outro lado, que o cidadão Mikhasevich, fuzilado anteontem, seja o verdadeiro culpado?! Um aparato judiciário que errou 12 vezes num único caso, tendo que pedir desculpas aos 12 prejudicados (na verdade caberia ao Estado pagar “gordas” indenizações aos lesados), pode, perfeitamente cometer uma décima-terceira falha do tipo. E muitas mais!

Se no plano da justiça penal acontece isso, imagine o leitor quando se trata de crime político! Quanta gente deve Ter sido condenada apenas baseada em denúncias de “puxa-sacos” de plantão, de burocratas corruptos do Partido Comunista!

Por isso, a “glasnost” não é um luxo, ou uma magnanimidade de Mikhail Gorbachrev. É uma questão de salvação nacional, para impedir que tanta bobagem continue acontecendo nas sombras, transformando a URSS numa “superpotência do surrealismo”, de botar Salvador Dali “dentro do chinelo”.

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 4 de fevereiro de 1988).


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