A
cultura nossa de cada dia
Pedro J. Bondaczuk
O poeta Vinícius de Moraes escreveu, em certa
ocasião, que "um jornal é um pouco como o organismo humano. Se o editorial
é o cérebro; os tópicos e notícias, as artérias e veias; as reportagens, os pulmões,
o artigo de fundo, o fígado; as seções, o aparelho digestivo --- a crônica é o
coração".
Muita gente não se dá conta da riqueza cultural
contida num único exemplar diário. Alguns dão uma olhada por cima nas
manchetes, detêm-se numa ou em outra notícia mais pitoresca (ou escandalosa),
talvez leiam as legendas das fotos, e pronto. Feito isso, passam a considerar o
jornal como coisa ultrapassada. Ou, no máximo, utilizam-no para embrulhar
mercadorias ou forrar o piso do automóvel.
Quem age assim, não se dá conta da quantidade de
informações preciosas (que certamente farão falta mais para a frente) que está
desperdiçando. Há, no entanto, muitas, muitíssimas pessoas que fazem seu
exemplar diário render como nunca. São os colecionadores de recortes.
Alguns fazem isso sem método. Simplesmente cortam o
que lhes interessou e acumulam esses papéis numa caixa. Outros, todavia,
organizam hemerotecas sofisticadíssimas, tanto no que se refere à apresentação
quanto à classificação por assuntos.
Adquirem pastas classificadoras de couro, com 50
lâminas, em forma de sacos (plásticos) onde colocam os recortes, ou colados
numa folha de papel sulfite, ou através de cópias xerografadas dos artigos ou
reportagens que lhes interessam.
Conheço pessoas que têm estantes repletas de volumes
organizados dessa forma. O acervo cultural que juntam dessa maneira econômica é
inestimável. Mas não é preciso tanta sofisticação para formar uma boa
hemeroteca.
Podem ser utilizadas pastas classificadoras mais
simples, guardadas, ao invés de em estantes de madeira ricamente trabalhadas,
em arquivos de aço. Tais coleções, com o passar dos anos, adquirem um valor
impossível de se quantificar. Maior até do que o de uma boa biblioteca.
As informações contidas em livro nos permitem o
acesso em qualquer oportunidade. Mesmo quando se trata de edições esgotadas.
Basta procurar em algum "sebo" para encontrar o volume desejado. Ou
então, recorrer às bibliotecas públicas. Mas as colecionadas em jornal logo se
tornam virtualmente "inéditas". Afinal, ainda são poucos os que
adquiriram este saudável hábito de recortar o que lêem.
O leitor já imaginou, por exemplo, que preciosidade
possui quem colecionou as crônicas que Machado de Assis escreveu na imprensa
carioca em fins do século retrasado? Muitas foram reunidas em livros, mas não
todas. Quem herdou uma hemeroteca dessas possui hoje um material tão precioso,
a ponto de não ter preço, em termos econômicos.
No aspecto cultural, nem é possível avaliar a
importância desse acervo. O mesmo vale para textos de João do Rio, de Rubem
Braga, de Guilherme de Almeida (que por muitos anos assinou a coluna "Eco
ao Longo dos Meus Passos" em "O Estado de São Paulo"), de Luís
Martins, Sérgio Milliet, Fernando Sabino, Carlos Drummond de Andrade, Sérgio
Porto (o Stanislaw Ponte Preta), Guilherme de Figueiredo, Otto Lara de Rezende,
Affonso Romano de Sant'Anna e tantos outros nomes ilustres da cultura nacional.
Ou para as crônicas e artigos do "Correio Popular" de pessoas como B.
Sampaio, Francelino de Araújo Piauí, Odilon Nogueira de Mattos, Maurício de
Moraes, Célia Siqueira Farjallat, Roberto do Valle, Renato Sabattini, Francisco
Fernandes de Araujo, Cecílio Elias Netto, Eustáquio Gomes, Moacyr Castro e
centenas de outros intelectuais representativos da vida campineira.
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