É proibido...
Pedro
J. Bondaczuk
As primeiras palavras
que mentalizamos, na tenra infância, tão logo começamos a engatinhar e a tomar
contato ativo com o mundo, é no sentido de restrição. "Não mexa nisso, não
faça aquilo, não ponha isso na boca" e vai por aí afora. Claro que os que
nos dizem essas coisas (no caso nossos pais), agem no intuito de nos proteger.
Mas é a nossa primeira "lição de ditadura". Muitas outras virão a
partir de então, ao longo de toda a nossa vida. E as proibições vão aumentando de
grau e de intensidade à medida que
crescemos. E passam a ser uma constante no lar, na escola, no trabalho etc.
Trata-se de um duro
aprendizado para a vida em comunidade, onde precisamos abrir mão de parcela
considerável de liberdade individual, em favor do grupo. É óbvio que algumas
dessas proibições são necessárias. Muitas são, até, imprescindíveis. São
destinadas à nossa proteção física, psíquica e comportamental. Mas desde que sejam apresentadas e cobradas “com
e por amor”. Nem sempre são. Algumas são exageradas. Outras são meras
tentativas de domínio de pessoas despreparadas, que extrapolam de sua
autoridade para se impor e impostas com indisfarçável rancor, isto é, com
violência. E outras, ainda, são tão ridículas, que só merecem risos. Seriam cômicas,
se não fossem trágicas.
É claro que as
restrições, sejam quais forem, mesmo as necessárias, são incômodas, antipáticas
e impopulares. O homem, no entanto, somente é totalmente livre nos estritos
limites da lei. Desde que esta seja, logicamente, justa, aplicável e que
abranja a todos os indivíduos, indistintamente, sem exceções de qualquer
espécie. Este é o princípio basilar inclusive da própria civilização.
No meu tempo de jovem,
criou-se um slogan que refletia bem a rebeldia de minha geração contra certos
tipos de imposição: "É proibido proibir". Tínhamos em mente uma
liberdade que hoje sabemos ser impossível. Para existir, na intensidade que
pretendíamos, seria necessário que não houvesse um único indivíduo que
desconhecesse o limite do que pode ou do que não pode fazer, por estar violando
direitos alheios. Na prática, porém, não é assim “que a banda toca”.
Muitos utilizavam aquela
reivindicação (ou exigência?), para defender, por exemplo, a liberalização da
maconha. É certo que uma proibição liminar nesse sentido tem se mostrado
contraproducente. O que é preciso é convencer as pessoas da estupidez de se
recorrer às drogas, que têm todas as desvantagens e perigos possíveis, sem a
mais ínfima contrapartida de um único benefício. Até por que, mentes mais
fracas julgam que a violação de uma norma, mesmo que implique em prejuízos à
própria saúde ou até em riscos à sua sobrevivência, é uma manifestação de
ousadia, ou de coragem, ou sabe-se lá do quê. Neste caso (e na maioria dos
outros) não é. Em geral, é um suicídio, em médio prazo, um caminho sem retorno.
O padre Antônio Vieira
tem um magnífico e lapidar sermão sobre a dureza da palavra "não",
sobre o qual tive a oportunidade de escrever. Há, é verdade, alguns impeditivos
sem razão de ser e que acabam não vingando: ou pelo seu evidente exagero, ou
por sua absoluta desnecessidade ou por falta de autoridade ou legitimidade dos
que os procuram impor.
A esse propósito
lembro-me de um incidente ocorrido em uma escola em que estudei. O colégio era
cortado por amplas e sinuosas avenidas, que margeavam enormes gramados, em cujo
centro havia a invariável placa: "É proibido pisar na grama". No
entanto, esses imensos "tapetes verdes" possuíam trilhas bem
marcadas, que mostravam que os alunos ignoravam a proibição, cortando caminho
sobre eles. Como a menor distância entre dois pontos é a reta (já ensinava o
geômetra grego Euclides há 400 anos antes de Cristo), o desrespeito a essa
restrição era até questão de lógica.
Os responsáveis pela
disciplina da instituição faziam freqüentes "sermões" nas salas de
aula, apontando o fato de se pisar na grama como grave manifestação de
"falta de educação" dos estudantes. Não haveria, no caso, brutal
falta de respeito da escola para com os alunos?. Não seria mais lógico e
racional fazer passar uma viela, ou travessa, ou passagem calçada, na parte do
gramado em que todos transitavam, formando a referida trilha?
Esse é o tipo da
proibição que sempre vai cair no vazio, pela desnecessidade. Aliás, sobre
restrições, há um magnífico poema de Lewis Carrol, intitulado "Minha
Fada", em que o autor de "Alice no País das Maravilhas" escreve:
"Tenho
sempre uma fada do meu lado
que
diz que não devo repousar.
Quando
chorei um dia de magoado,
censurou-me:
'não deve chorar'.
Se
dou uma risada divertida,
ela
ralha: 'Não deve alegrar-se'.
Um
dia eu quis tomar uma bebida,
impediu-me:
'Não deve embriagar-se'.
E
quando eu quis provar alguns quitutes
proibiu-me:
'Não deve provar'.
Quando
fui para a guerra, disse-me:
'Escute, não deve, tampouco, guerrear'.
'Que
posso então fazer?', gritei cansado
de
tantas proibições conjuntas.
A
fada respondeu, sempre ao meu lado:
'Não
deve é fazer essa pergunta'.
Moral:
'Você não deve'".
E não é sob esses
exageros constantes, das pequenas às grandes coisas, que transcorre nossa vida?
Restrições em casa, regras na escola, proibições no trabalho, sanções na
sociedade, e vetos de toda a sorte até em nosso lazer etc. E quando rompemos
uma dessas normas estúpidas, impostas muitas vezes (quando não na maioria) por
pessoas sem nenhuma autoridade para tal, procuram fazer com que nos sintamos
culpados. Ou nos aplicam as mais variadas sanções, das físicas às patrimoniais.
E, em casos extremos, a pena de morte...
O que deveria ser
proibido (e banido do Planeta) é o ódio. É a intriga. É o preconceito. É o
egoísmo. É a exploração do homem pelo homem. É o mau-humor. É a chatice. É a
desonestidade em todos os sentidos. O romancista alemão Bruno Frank, no conto
"O Besouro Dourado", resume com maestria o que queremos ressaltar:
"Não somos separados uns dos outros como pensamos; onde estão os limites?
Quem poderá se atrever a separar, a dividir, a dizer: assim é esse e assim é
aquele, e isso é bom e aquilo é mau?". Sim, quem poderá?!!?
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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