Mau-humor
ou má educação?
Pedro J. Bondaczuk
O mau-humor pode ser uma doença. Seria uma disfunção
psíquica, uma espécie de disrritmia cerebral, que afetaria um número
considerável de pessoas (põe considerável nisso!). Em palavras mais simples: o
cérebro, desses afetados, não funcionaria no ritmo desejável, considerado
normal. Daí sua carranca constante, suas respostas arrevezadas e suas explosões
de ira em situações mais tensas ou até mesmo naquelas em que inexista esse
ingrediente de tensão. Esta, pelo menos, foi a conclusão de ilustres
psiquiatras, de várias partes do mundo, que divulgaram inúmeros estudos a
respeito. Os especialistas alertam, portanto, que nem sempre essas
manifestações mal-humoradas são frutos de má educação, como a maioria das
pessoas supõe.
Mas seria possível, face às crescentes dificuldades
da vida, num país cheio de injustiças e contradições como o nosso, se manter
bem-humorado por, pelo menos, uma parcela razoável do dia? Seria viável não
perder a compostura diante das sucessivas crises que nos acometem, numa
sociedade em permanente reforma, mas que, entra ano, sai ano, continua sempre
na mesma, repetindo os mesmíssimos erros e perpetuando os mesmos vícios?
Como portar um sorriso nos lábios, e ter sempre, na
ponta da língua, palavras gentis, quando somos bombardeados, da manhã até a
noite, por uma enxurrada de notícias ruins, que nos afetam, direta ou indiretamente?
Ou quando somos vítimas de uma infinidade de agressões gratuitas? A violência,
por exemplo, explode por toda a parte, nas ruas das grandes cidades. A
mendicância cresce. Sentimo-nos inseguros até dentro da própria casa. E
poderíamos desfiar um rosário imenso, quase interminável, de motivos para medo,
preocupação e o conseqüente mau-humor.
Repito, portanto, a pergunta: é possível conservar o
bom-humor, diante dessa realidade perversa e angustiante? Possibilidade sempre
existe. Pelo menos, temos a obrigação para conosco mesmos de fazer força para
isso. Para tanto, porém, é preciso que tenhamos nervos de aço. Ou que sejamos
dotadas de uma insensibilidade que nos aproxime de um mineral, de uma pedra, de
um objeto inanimado. Ou que tenhamos visão clara do que realmente somos e do
que aspiramos da vida.
Equilíbrio é a palavra chave. Claro que nem tudo é
ruim em nosso cotidiano. Há momentos agradáveis, e até felizes, que devem ser
preservados na memória, multiplicados ao máximo e, sobretudo, muito bem aproveitados.
Não é lícito, e nem justo, que descarreguemos nossas tensões, mágoas e
frustrações sobre quem não tem nada a ver com elas: a esposa, os filhos, os
vizinhos, os colegas de trabalho, aqueles que nos servem etc.etc.etc.etc.
Ressalte-se que os especialistas consideram doença o
mau-humor freqüente, constante, contumaz, permanente e imotivado e não aquelas
reações naturais, humanas, instintivas de irritação face às coisas
desagradáveis que nos aconteçam, que são desagradáveis, óbvio, porém
passageiras. Mas esse estado de espírito, normal, gerado por alguma
contrariedade, também não pode ser confundido com manifestações ditadas,
exclusivamente, pela má educação, das quais somos vítimas, às vezes, até,
várias vezes ao dia, em nossos relacionamentos cotidianos.
Há pessoas cuja especialidade parece ser a de
chatear os outros. Há funcionários que lidam com o público que, descontentes
com a função que exercem, ou com o salário que recebem, ou com outra coisa
qualquer, tratam a todos, indistintamente, aos trancos e barrancos. Descarregam
suas frustrações em quem encontrarem pela frente, sem escolher cara.
Criticam e condenam tudo e todos. Criam regras e
normas sem sentido ou necessidade, que apenas complicam o bom andamento do
serviço. Inventam pretextos mil, em repartições públicas, para desperdiçar o
tempo alheio, com exigências de cópias de documentos e de requerimentos
absolutamente inúteis e, portanto, dispensáveis. Apegam-se a uma burocracia
inútil, irritante e perdulária. Estes carrancudos crônicos, todavia, não são,
na verdade, mal-humorados, no sentido patológico, classificado pelos
especialistas. São é mal-educados, estúpidos e sumamente chatos. Mas esta já é
uma outra história.
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