Sutilezas e ironias
Pedro J. Bondaczuk
As pessoas dotadas de grande capacidade de apreensão
da realidade (que são raras) formam com facilidade juízo sobre os fatos e sobre
os indivíduos que as cercam. Desenvolvem, por conseqüência, aguçado senso crítico.
Opinam sobre tudo e sobre todos e nem sempre conseguem manter o desejável
equilíbrio. Há opiniões que o bom senso recomenda que guardemos para nós,
até porque, sua divulgação traria mais mal do que bem. Não construiria nada e
ainda poderia nos expor a represálias. Estes críticos afoitos e desastrados,
muitas vezes, partem para destemperos verbais sem sentido, para autênticas
provocações gratuitas, quando sua intenção sequer é de confronto, mas de marcar
posição.
Como todo o indivíduo normal tem amor próprio e não
suporta ser criticado, vem a reação. E esta nem sempre é civilizada, dependendo
de quem seja o criticado. Há alguma maneira de não se omitir diante do que é
errado ou incompetente, mas sem se comprometer, sem arranjar inimigos gratuitos,
sem se expor aos riscos da represália? Há, mas requer muito talento, muita
sabedoria, muito preparo para o seu uso. Uma das armas do intelectual, para não
abrir guerra com os semelhantes, mas ainda assim não deixar de criticar o que
(ou quem) seja criticável, é a sutileza.
Este recurso, no entanto, tem que ser utilizado com
perícia, com precisão, "cirurgicamente", como um bisturi. Precisa
conter veracidade e respeitar o limite entre o equilíbrio e a hipocrisia. Caso
contrário, o risco de descambar para o ridículo é enorme. Ser sutil é dizer
tudo o que deve ser dito com tamanha elegância e ponderação que não dê margem à
mínima reação adversa. Mas o poeta Francesco Petrarca alertou: "Quem
sutiliza demais acaba por se perder". E acaba mesmo. Trata-se de um expediente
para ser utilizado com parcimônia.
Outro recurso --- este mais contundente --- para se
fazer críticas é a ironia. Mas exige ainda mais cuidados do que a sutileza,
dada a sua latente agressividade. Há escritores que são mestres neste mister.
Outros, todavia, não souberam brandir com habilidade esta "navalha"
sumamente afiada e cortante e descambaram para a grosseria. Acabaram
"queimados" pela crítica, ridicularizados pelos inimigos e repudiados
pelos leitores.
O filósofo Sören Kirkgaard, referindo-se a Sócrates,
observou: "A ironia é o gládio, a espada de dois gumes que ele brandia
como um anjo da morte sobre a Grécia". Todavia, apesar de toda a sua
perícia no uso dessa arma, o sábio despertou rancores perigosos, diria mortais,
e arranjou inimigos de muito poder. Findou por ser condenado à morte, forçado a
beber cicuta, em um processo visivelmente rancoroso e vingativo, baseado em
acusações mesquinhas, absurdas e sem fundamento. Como toda a arma, esta também
deve ser usada apenas de maneira competente e na hora adequada e ainda assim
não há segurança de que não desperte a ira do criticado.
O mesmo Kirkgaard preceitua: "A ironia não
carece de significação nem deve ser totalmente deposta. Dominada, é uma
potência limitadora que ensina a colocar a ênfase adequada na realidade
impedindo a idolatria do fenômeno. Ela é uma arma contra o cinismo, a
dissimulação e a hipocrisia de nosso tempo, que exige de tudo e de todos (...)
se não um 'pathos' elevado pelo menos altissonante, se não especulação, pelo
menos resultados; quando não verdade, pelo menos convicção, quando não
sinceridade, pelo menos protesto de sinceridade, e na falta de sensibilidade,
pelo menos discursos intermináveis a respeito desta".
Um bom exemplo do uso de sutileza, na crítica de um
determinado comportamento, é a seguinte observação do escritor norte-americano
Josh Billings: "Existem pessoas tão afeitas ao exagero que não sabem dizer
uma verdade sem mentir". Ou esta de Umberto Eco, acerca de intelectuais
que fazem todo o possível para aparecer, mesmo que para isso precisem
prostituir suas idéias e abrir mão das próprias convicções: "Há
estudiosos que sabem tornar o seu silêncio sonoro". A afirmação foi feita
em um artigo em que o romancista aborda o "sistema de celebridades"
determinado pelos meios de comunicação de massa. Um homem prático nunca faz
críticas destrutivas contra quem esteja tentando sinceramente construir. E
mesmo as construtivas, só as faz a quem esteja disposto a ouvir e aproveitar a
correção de rumo. Quanto aos corruptos, aos incompetentes, aos maus... Bem,
estes a prudência manda que sejam deixados quietos em sua mediocridade...
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