Ouvinte
generoso
Pedro J. Bondaczuk
A solidão é, conforme ressalta o romancista
norte-americano Thomas Wolfe, em um dos seus mais conhecidos romances, "a
experiência central e inevitável do ser humano". Todos precisamos do
convívio com nossos semelhantes, de sermos amados, de alguém que nos valorize,
nos admire, nos respeite, nos compreenda e, sobretudo, nos ouça. Poucas
(pouquíssimas) pessoas, no entanto, estão dispostas a ouvir de fato seus
semelhantes, mesmo as que têm nesse ato o fundamento da profissão que exercem,
como psiquiatras, psicólogos, sacerdotes ou psicanalistas.
Um dos mais belos e profundos romances de língua
inglesa, de autoria da escritora norte-americana Taylor Caldwell, tem nessa
atitude – que parece tão simples, mas que se torna a cada dia mais rara – o
cerne do seu enredo. Trata-se de "O Confessor", best-seller dos anos
60, publicado no Brasil pela Editora Record. Em determinado trecho, a escritora
afirma, pondo as palavras na boca de um dos personagens: "A verdadeira
necessidade do homem, sua necessidade mais premente, é de alguém para ouvi-lo,
não como um 'paciente' e sim como uma alma humana. O homem precisa dizer a
alguém tudo o que pensa, as coisas espantosas que encontra ao tentar descobrir
porque nasceu, como deve viver e onde está o seu destino".
Somos confrontados, no nosso dia a dia, com súbitas
e inesperadas crises – de caráter profissional, social, emocional ou afetivo,
entre outras – que enquanto duram, nos parecem insuperáveis. Em casos extremos,
tais situações desembocam em becos sem saída tão grandes, ao ponto de muitos
cogitarem na insensata e estúpida fuga-limite, através do suicídio. Claro que
esta não é, nunca foi e jamais será solução para qualquer tipo de problema. Uma
idéia dessas apenas ganha corpo quando o indivíduo está no extremo do
abatimento, no auge do desespero, no máximo da vulnerabilidade emocional,
quando seu baixo moral é exacerbado a ponto de ofuscar (ou até mesmo extinguir)
suas esperanças. E há por aí casos extremos, como estes, em maior quantidade do
que qualquer um de nós possa imaginar.
Uma das causas mais comuns (e mais cruéis) desse
tipo de depressão é o desemprego. Milhões de brasileiros (e de cidadãos de
outros países pelo mundo afora, já que o número mundial de desempregados é
estimado em 900 milhões pela Organização Internacional do Trabalho) vivem esse
drama, que afeta não apenas a sua condição econômica ou social, mas, sobretudo,
seu amor próprio. Uma demissão sem justa causa é muito traumática. Arrasa,
entre outras coisas, com a auto-estima de qualquer um. Maior ainda é o
desespero do demitido quando ele tem orgulho daquilo que faz e não considera
sua atividade como mera fonte de renda, tão somente como um
"emprego". Quando ele se preparou por anos a fio para exercer a
profissão que lhe dá orgulho a qual é, subitamente, impedido de continuar
exercendo, apenas porque o patrão achou que deveria promover "contenção de
despesas", para manter intacta sua margem de lucro, em geral
superdimensionada. Nestas circunstâncias, sente-se preterido, desprezado,
desvalorizado e colocado à margem, como um objeto inútil ou como uma ferramenta
envelhecida e que perdeu a serventia. E por maiores que sejam sua força
interior e seu autodomínio, é inevitável que venha a ser afetado psiquicamente.
Na maioria das vezes, essas pessoas precisam de pouco, de
muito pouco, de pouquíssimo para que possam se reequilibrar e encontrar, com
serenidade e cabeça no lugar, a solução para o problema. Carecem de um ouvinte
paciente, que não lhes queira dar lições de moral ou se prevalecer de sua
fraqueza emocional temporária. Precisam falar, desabafar, gritar o seu
desespero, colocar para fora seus recalques e frustrações, sem serem
interrompidas e sem que suas palavras sejam recebidas com enfado ou venham
acompanhadas de comentários, de cunho moral ou religioso, que mal escondem o
desejo de ostentar uma pretensa superioridade por parte do interlocutor.
A citada Taylor Caldwell constata: "Um dos
aspectos mais terríveis do mundo atual é que ninguém mais ouve ninguém. Se você
está doente ou até agonizante, não tem ninguém para ouvi-lo. Se você está
desnorteado, assustado, perdido, desiludido, solitário, não há ninguém para
ouvi-lo. Até mesmo os clérigos vivem cansados e apressados". E no entanto,
custa tão pouco ouvir com paciência e compreensão.
Milhares de vidas são salvas, diariamente, pelo
mundo afora, mediante esse pequenino, anônimo e simples gesto de humanidade.
Seja você, também, leitor esclarecido, um ouvinte generoso. Exercite com
freqüência esse ato de abnegação com os que o rodeiam. Com o amigo demitido,
enquanto você conservou seu emprego e de quem você se afastou, por preconceito
ou por receio de ser mal-interpretado. Com o vizinho desempregado, que se
tornou subitamente brusco e amargo, atitude que você passou a atribuir a mera
"antipatia". Com o estranho, mal-vestido e mal-alimentado, que tenta
lhe dirigir a palavra e de quem você foge, sob o pretexto de se prevenir contra
a violência. A atenção que você negar
hoje ao seu próximo, poderá lhe faltar amanhã, quando você se encontrar em
situação parecida ou, quem sabe, mais grave, e for levado a dizer (ou a se
sentir), como o poeta Emílio Moura: "Eu fiquei só diante da vida/e todas
as coisas me assustaram..."
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