O homem humilhado
Pedro
J. Bondaczuk
“A história da
humanidade espera, com paciência, o triunfo do homem humilhado”. Essa citação,
extraída de um poema bastante conhecido do indiano Rabindranath Tagore,
ganhador de um Prêmio Nobel de Literatura, apresentada, de forma até um tanto
intempestiva, pelo Zito, gerou uma das maiores discussões do nosso grupo
informal, que se reunia, tempos atrás, quase todas as tardes, em um bar da
cidade, para “salvar o mundo”, entre goles de cerveja e tira-gostos variados
(que ninguém é de ferro!) e sobre o qual escrevi (provavelmente) mais do que
deveria. O que fazer? Sou assim mesmo! Sou exagerado quando gosto de alguém ou
de alguma coisa. Peço, pois, paciência
ao caríssimo leitor.
Embora tenha
apresentado, em crônicas anteriores, os participantes cativos desse cenáculo
informalíssimo (e põe informalidade nisso!), sem regras e nem compromissos,
nunca é demais repetir a apresentação, notadamente para os que me leem pela primeira
vez (e espero que não pela última). Compunha-se este círculo de palpiteiros,
além deste cronista (claro), o Marcelo, estudante de História; o Marcão, que é
advogado; o Nelson, psicólogo e o Zito, que é sociólogo, mas que trabalha como
gerente de banco. Recentemente, o professor João, que é filósofo, mas que
leciona Matemática num conhecido colégio particular da cidade, de tanto dar
pitacos em nossas conversas, acabou incorporado, como membro pleno.
“Você acredita mesmo
nisso, Zito?”, indaguei, mais em tom de provocação. “Como o homem humilhado
haverá de triunfar? Através de uma revolução? Ou as elites mundiais terão um
súbito ataque de generosidade e lucidez, e vão dividir suas riquezas com os
miseráveis? Cai na real, amigo! Triunfarão pelas armas? Mediante o terrorismo?
Ora, ora, ora. Isso não passa de retórica do poeta. É bonito de se ler, mas sem
nenhum efeito prático”, emendei.
“É questão de lógica e
de tempo, Pedrão. Hoje, dois terços da humanidade trabalham e geram riquezas
para o um terço ocioso usufruir. E o número de miseráveis no mundo cresce em
progressão geométrica. Não tenha dúvidas que a revolta desses bilhões de
pessoas excluídas aumenta na mesma proporção da sua exclusão. No dia em que
aparecer um líder carismático, capaz de mobilizar multidões, sai de baixo!”,
Zito retrucou, aos berros.
“Onde você vai
encontrar essa pessoa tão especial, com poder de convencimento ímpar,
absolutamente anormal? Qual o meio que ela irá utilizar para transmitir sua
mensagem, para convocar as massas? O rádio? A televisão? Os jornais? Cai na
real! Mesmo que conseguisse espaço em algum desses meios de comunicação, esse
insensato agitador seria preso à primeira aparição, por subversão”, voltei à
carga. “Cite um precedente, um único, um só que tenha dado certo”, desafiei.
“Ora, você precisa ler
mais História ou ir mais ao cinema”, se intrometeu o Marcelo, estudante dessa
disciplina na PUC de Campinas. “Você não conhece a Guerra dos Gladiadores?!”,
acrescentou, no tom de sabichão, pedante e irritante, que sempre dava às suas
intervenções. “Spartacus não precisou de rádio, jornal ou televisão para formar
seu exército de esfarrapados, pois, em 73 a C., quando sublevou os escravos de
Roma contra a classe dirigente da superpotência da época, esses meios sequer
existiam”, argumentou.
“Sua coragem e seu
instintivo senso guerreiro, em pouco tempo, chegaram a colocar em cheque a
estabilidade política de todo o império. Começou sua cruzada pela liberdade com
78 escravos, que fugiram da escola de gladiadores de Cápua (a 130 milhas de
Roma). Não tardou para que ocorressem adesões aos milhares. Sob a sua
liderança, 90 mil pessoas maltrapilhas, subnutridas e mal-armadas, conseguiram
vencer batalhas importantes, umas vinte, contra a mais sofisticada e melhor
aparelhada máquina de guerra do Planeta
de então. Está nos livros. Isso não é lenda, é história!”, Marcelo aduziu, com
entusiasmo.
“Muito bem”, voltei à
carga, “o que aconteceu com Spartacus? Estabeleceu seu império de igualdade e
justiça? Trouxe algum benefício para a humanidade? Pode ser considerado
vencedor? Não! Foi vencido por Crasso, dois anos depois de ter iniciado o seu
levante. E impôs-se, como sempre acontece, a lógica do vencedor, que permanece
a mesma até hoje. Ou seja, os sublevados, depois de batidos, teriam que ser
punidos de uma forma que todos vissem e que, acima de tudo, desestimulasse
novas rebeliões. E assim, Spartacus, e seus seguidores mais chegados, foram
crucificados. Isso também não é lenda, é história!”, respondi mais irritado que
o normal, praticamente colocando o dedo em riste no nariz de Marcelo.
A discussão, como seria
de se esperar, generalizou-se. Todos queriam dar seus palpites ao mesmo tempo.
A totalidade do grupo apoiou a tese do Zito,
do triunfo, um dia (num futuro muito remoto, certamente) do homem
humilhado. Pudera! São todos jovens, extravasando ideais por todos os poros! O
tempo (infelizmente) se encarregará de devolvê-los à realidade. É o que sempre
acontece.
Depois de quase sair no
tapa com o Marcelo, e para não deixar que alguém ficasse com a última palavra,
voltei à carga, apresentando a conclusão de um texto, do professor Paulo
Geraldo, que pincei no site Aldeia, no qual ele comenta o filme “Spartacus”,
dirigido por Stanley Kubrick, cuja anotação tirei, solenemente, do bolso da
camisa.
O mestre escreveu: “Ao
longo da História...a lealdade conduziu muitas pessoas a grandes sofrimentos e,
até, a uma morte cruel. Mas, nos nossos dias, é uma virtude esquecida. Qualquer
par de moedas, qualquer novidade aparentemente vantajosa nos faz esquecer os
deveres e nos leva a quebrar os nossos laços, enchendo a nossa vida de traições
a que nos vamos habituando”. Li a citação e fui saindo de fininho, sem esperar
as respostas do grupo. Afinal, agora eu estava preocupado, exclusivamente, com
um problema mais imediato e urgente. Ou seja, com a desculpa que teria que dar
para convencer a esposa, por chegar tão tarde em casa... É, a vida é assim...
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