Grotesco e cruel
Pedro J. Bondaczuk
O
escritor Machado de Assis constatou, numa de suas crônicas, que "a ordem
social e humana nem sempre se alcança sem o grotesco e o cruel". Tal
caracterização encaixa-se como uma luva ao Iraque contemporâneo, dividido em
três partes, se forem consideradas as zonas de exclusão no norte, habitat dos
curdos, e no sul, de população predominantemente xiita.
Desde
o fim da guerra do Golfo Pérsico, em 28 de fevereiro de 1991, o ditador
iraquiano vem se recusando, ao menos para o seu público interno, a admitir a
derrota. Tanto é que após esse conflito, os grandes jornais de Bagdá
enalteceram a "vitória" do Iraque sobre os aliados. Claro que isto
descamba para o grotesco. Mas parcela da população aceita essa versão como um
fato sem contestação.
Desde
o fim da guerra as Nações Unidas vêm tentando fazer os iraquianos cumprirem os
humilhantes termos da rendição, que colocaram fim às hostilidades militares
naquela oportunidade. O presidente Saddam Hussein, que na ocasião acatou as
imposições e prometeu cumprir uma a uma, vem fazendo o jogo do gato e do rato
com os fiscais da ONU. Colocou todos os obstáculos possíveis e imagináveis para
a inspeção de suas bases militares, que visava a localizar e destruir armas
químicas, bacteriológicas e eventualmente nucleares.
O
supercanhão que o Iraque estava construindo foi localizado e dinamitado.
Todavia, até hoje, os inspetores das Nações Unidas não podem afirmar com
absoluta segurança se o país está ou não de posse de tecnologia e recursos para
a construção de uma bomba atômica, mesmo que rudimentar.
Nos
últimos dias, o ditador iraquiano voltou ao velho discurso de agosto de 1990,
quando suas tropas invadiram e ocuparam o Kuwait. Reiterou que o emirado faz
parte do território do Iraque e que seu povo não abre mão da sua anexação.
No
início da semana, soldados iraquianos à paisana empreenderam ousada ação numa
base kuwaitiana, capturando uma determinada quantidade de armas. Além disso,
mísseis foram postados na zona de exclusão no sul, ameaçando a segurança das
forças de manutenção de paz da ONU.
Estas
últimas operações foram a gota d'água que faltava para esgotar a paciência dos
aliados. Cento e catorze caças empreenderam, nas últimas horas, uma ação
punitiva contra o Iraque. É impossível falar dos resultados já que, por se
tratar de operação militar, os responsáveis pelas informações apenas informam à
opinião pública o que lhes convém.
O
que está bastante claro é que a tática de isolar esse país dividido, privando-o
da possibilidade de ter vida normal na comunidade internacional, cujo objetivo
declarado ainda em março de 1991 pelo presidente norte-americano George Bush
era o de forçar os iraquianos a se livrarem de Saddam Hussein, não vem dando
certo.
Quanto
mais pressionado é o povo, mais parece disposto a resistir. Esse é o lado cruel
da questão, que vem se juntar ao grotesco. Não seria, pois, o caso dos aliados
darem uma "mãozinha" para livrar a população do Iraque desse flagelo?
Crueldade por crueldade, a maior é deixar esse homem no poder, comprometendo o
presente e o futuro de sua gente.
(Artigo
publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 16 de janeiro de 1993).
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