Cortando o mal pela raiz
Pedro J. Bondaczuk
A Justiça novaiorquina,
numa atitude digna de Sólon, tomou uma decisão, anteontem, destinada a frear um
fenômeno extremamente perigoso, que se verifica nessa metrópole cosmopolita: a
escalada da violência racial.
O
legislador grego em questão, querendo acabar com os abusos provocados pelo
alcoolismo em Atenas, ordenou que todas as vinhas da cidade-Estado fossem
arrancadas. Com isso, pretendia “cortar o mal pela raiz”.
Os
juizes de Nova York agiram mais ou menos assim ao proferirem a sentença contra
o adolescente John Lester, de 18 anos, um dos responsáveis pela morte de um
cidadão negro, em 1986, no subúrbio de Howard Beach, ocorrida por
atropelamento, quando a vítima tentava escapar de ser linchada por uma gangue
juvenil, à qual o condenado pertencia. Deram-lhe 30 anos de cadeia.
Afinal,
não há maior estímulo ao crime do que a impunidade. E a despeito do rigor da
pena, a decisão foi das mais louváveis, ainda mais quando se sabe que a
violência de caráter racial vem sofrendo uma perigosa escalada na cidade.
Apesar
da presença nessa magnífica (e problemática) metrópole de dezenas de grupos
étnicos, o racismo ainda aponta numa mesma direção, como ocorria, por exemplo,
na década de 60: na de um conflito fundamental de brancos contra negros.
Jacqueline
Wexler, presidenta da Conferência Nacional dos Cristãos e Judeus, disse, a esse
propósito, em janeiro do ano passado: O problema racial é uma obsessão na
cidade de Nova York. E ao que parece, tanto o progresso como o desprezo dos
negros, aumentam a tensão...A violência ocorre periodicamente. Mas tem
características muito mais tribais do que muitos povoados pequenos”.
O
problema ganha dimensões maiores quando se sabe que a população branca, que
possui preconceitos arraigados dos quais não abre mão, hoje já é minoritária na
cidade. De acordo com o censo de 1980, cerca de 52% dos habitantes locais eram
caucasianos. Os demais, distribuíam-se entre 24% de negros, 20% de hispanos e
4% de outras etnias.
Hoje,
certamente, os brancos já deixaram de ser a metade. Devem andar aí pelos 47% e
a população negra, nos 30%. Um conflito racial, nessas circunstâncias, pode
ficar incontrolável, com toda a certeza.
Por
isso, foi muito sensata a sentença da justiça novaiorquina. E ela certamente
agiria com idêntico rigor caso a situação fosse inversa. Ou seja, se bandos
negros fossem responsáveis pela morte de cidadãos brancos, com culpa
estabelecida sem nenhuma dúvida, como no presente caso.
O
que é difícil de se entender (e impossível de se aceitar) é o fato de, numa
cidade considerada como uma espécie de capital do mundo, os seres humanos ainda
estarem medindo o valor de um semelhante pela cor de sua epiderme, o que prova
que o homem moderno só adquiriu, mesmo, um simples “verniz” de civilização, e
nada mais.
(Artigo
publicado na página 18, Internacional, do Correio Popular, em 24 de janeiro de
1988).
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