O
poeta do povo
Pedro J. Bondaczuk
Pouca gente neste país não conhece algum verso de
Vinícius de Moraes, das inúmeras composições que ele fez com vários parceiros,
como Antonio Carlos Jobim, Toquinho ou Baden Powell. Durante pelo menos três
décadas, o "Poetinha", como era carinhosamente chamado, espalhou
ternura e magia, sonho e fantasia, ironia e verdade, como sempre fazem os
poetas. Especialmente a geração que embalou o seu namoro ao som da Bossa Nova,
na década de 60, ou a da chamada "fase do fechamento" do regime
militar, na de 70, cantou, declamou, citou, viveu e curtiu Vinícius.
Pouca gente, entretanto, conhece esse incorrigível e
sublime boêmio como escritor, autor de deliciosos poemas, como os publicados em
seu livro "Para Viver um Grande Amor", além de textos políticos, com
a agudeza de um "expert" na matéria. A maior parte da sua produção
foi destinada a letras de canções que viveram anos na boca do povo, nos ouvidos
atentos de todo um País, na memória de uma geração que até hoje não se conforma
com a sua morte. O que fazer? O homem não consegue fugir da efemeridade!
O cidadão da "República Carioca de
Ipanema" amava extremadamente o Brasil. Não com aquele sentimento piegas e
verborrágico de escritores "nacionalistóides", ao estilo do Conde
Afonso Celso, há muito ultrapassados, se é que chegaram algum dia a ter vez. E
nem expressava esse sentimento contido através de tolos rasgos de ufanismo, na
maior parte das vezes falsos e até de mau gosto. Mas à maneira bem carioca, bem
boêmia, bem descontraída e marota, como todos nós, era crítico, quando
precisava ser; irônico, via de regra, mas sem maldade e sobretudo bem-humorado.
O bom-humor é fundamental na boa literatura.
Embora diplomata, de educação refinada, (despojado
de seu cargo pela ditadura militar), Vinícius era, acima de tudo,
"povo", na mais pura acepção desse termo, no sentido de ser
autêntico, sincero, característico, o protótipo do verdadeiro brasileiro. Era o
modelo mais perfeito e bem acabado, sem estereótipos, do carioca. Restringindo
mais ainda: do morador da Zona Sul, de Ipanema, sim senhor!
Era Rio de Janeiro, com seus contrastes e
contradições. Era um pouco, também, Zona Norte, dos pobres e problemáticos
subúrbios onde, entretanto, o samba nasce em cada esquina, em cada casa que não
esconde a mesmice da pobreza, em cada botequim, em cada história, descolorida e
comum, dos seus moradores.
Mas era, antes de tudo, Zona Sul, de Ipanema até o
Leblon: boêmio, irreverente e "bon vivant", com sua cultura
"underground" e seu modo típico de ser. Acima de tudo, Vinícius era
paixão, era alegria, era beleza, era poeta...Desses que vêem o lado belo das
coisas onde elas aparentavam ser somente feias e chãs. Fazia brotar, como um
mágico, lírios das infectas e nauseabundas sarjetas, extraindo diamantes de
montanhas de lixo.
Vinícius era, e é nas obras que nos legou (menos do
que seria desejável) um ser precioso
demais, em meio às angústias, neuroses e incertezas dos nossos tempos. Não
podemos prescindir de suas inspiradas visões de uma realidade da qual, como
mortais comuns, sem a magia dos poetas, teimamos em ver apenas o lado avesso.
Existem versos mais simples, e por isso mais belos,
do que os deste "Soneto da Fidelidade", que o "Poetinha"
compôs, em outubro de 1939, em Estoril, Portugal? Sintam a ternura deste
"pastor de emoções", na espontaneidade das suas palavras:
"De tudo ao meu amor serei atento
antes, e com
tal zelo, e sempre, e tanto
que mesmo em
face do maior encanto
dele se
encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo
em cada vão momento
e em seu
louvor hei de espalhar meu canto
e rir meu riso
e derramar meu pranto
ao seu pesar
ou seu contentamento.
E assim,
quando mais tarde me procure
quem sabe a
morte, angústia de quem vive
quem sabe a
solidão, fim de quem ama
eu possa me
dizer do amor (que tive):
que não seja
imortal, posto que é chama
mas que seja
infinito enquanto dure".
Lindo, não é mesmo?!! É poesia pura!!
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