Marés
da vida
Pedro J. Bondaczuk
O escritor Jonathan Swift, cujo humor refinado deu
brilho à literatura mundial, escreveu que "não há nada constante neste
mundo, a não ser a inconstância". Aos mais desavisados pode parecer que se
trata de simples jogo de palavras. Mas não é. A sutil constatação está
revestida de enorme sabedoria. Nossa vida é como a maré. Tem seus fluxos e
refluxos, que se repetem até que sejamos atropelados pela fatalidade e nos
afastemos do palco central e, na maioria dos casos, dos seus bastidores. Os
sábios sabem administrar essa inconstância e não se desarvoram com os períodos
de baixa. Nessas ocasiões, reúnem forças para que a subida seguinte seja mais
intensa, mais vigorosa, mais duradoura.
Os que mais sofrem, e findam por se perder, são os
vaidosos, os ególatras, os que não admitem que não sejam o centro do universo e
das atenções dos que os cercam. São dignos de pena. Têm uma visão distorcida da
vida e dos objetivos da existência. São vulneráveis exatamente por sua vaidade.
Tratamos, em crônica recente, da questão da fama e dos que não sabem
administrar essa notoriedade que tanto procuram. Quando a perdem, tornam-se
amargos, frustrados, revoltados e até perigosos. Julgam-se injustiçados,
perseguidos, sabotados. Tornam-se paranóicos. Todos conhecemos alguma pessoa
assim. São as que, no afã de ser felizes, mas sem competência para conquistar
essa situação, mergulham de cabeça na infelicidade.
Tempos atrás, ao escrever matéria sobre os dez anos
da explosão do ônibus espacial norte-americano Challenger para o jornal em que
trabalhava, pude refletir sobre a inconstância em minha profissão. Para redigir
o referido texto, tive que recorrer ao arquivo. Utilizei as páginas sobre o
mesmo assunto que editei uma década atrás. Na ocasião, mesmo sem a experiência
e o conhecimento que tenho hoje, eu era considerado um "nome" no
jornalismo da cidade. Minhas opiniões, publicadas diariamente, eram temas de
conversas nas rodas de intelectuais. Vivia assediado para fazer palestras,
participar de jantares e tomar parte em outros tantos eventos.
O tempo passou... A maré da vida baixou... Passados dez
anos, esse mesmo Pedro, melhorado pela vivência e conseqüente experiência, não
passava de um funcionário a mais de uma enorme equipe, no exercício de uma função
virtualmente burocrática, que não condizia com seu preparo. Claro que essa
situação foi um golpe para o meu ego. Mas nem por isso fiquei frustrado. Pelo
contrário. Segui executando a tarefa que me foi destinada com empenho e
dedicação, como se fosse vital para o jornal e para a comunidade. "Só quem
é fiel no pouco, consegue sê-lo no muito", diz um preceito bíblico. E não
posso nunca me esquecer que sou dispensável. Nunca esqueci. Felizmente, ninguém
é insubstituível neste mundo. É certo que algumas dessas substituições
representam retrocesso qualitativo. Mas quem é que liga?! O mundo não pára
somente por isso.
Costumo ficar atento no "acaso". Alguns,
chamam-no de "destino", outros, de "sorte", mas o nome é o
que menos importa. Sua manifestação é que é importante. Sua ação pode nos
colocar no centro dos acontecimentos e nos transformar instantaneamente em
heróis imortais ou nos suprimir a vida. Sob sua influência podemos nos tornar
ricos, poderosos e famosos ou cair na indigência, na humilhação, no ostracismo.
Esse fator aleatório é o que propicia ou suprime oportunidades.
Portanto, há imensa sabedoria na observação de
Swift, como ademais em tudo o que esse escritor nos legou. A inconstância é
rigorosamente constante. Convida-nos a sermos prudentes e a tratarmos os que
nos rodeiam com bondade e gentileza, sejam eles quem forem. Os que maltratarmos
na subida, serão os mesmos que nos pisarão a cabeça quando da descida. Quem
sabe o que quer, quem traça um roteiro para a sua vida e é maleável para
modificar o rumo quando for necessário, quem tem energia para produzir, talento
para criar e autodisciplina para evoluir espiritualmente, não tem o que temer.
Pessoas com esse estofo jamais irão empinar o nariz,
achando que são melhores do que as outras. Nunca irão se deixar levar pelos
louvaminheiros de plantão. Em circunstância alguma assumirão ares de
superioridade diante de quem quer que seja. Saberão colher estrelas-do-mar na
areia, quando as marés baixarem. Navegarão com audácia quando elas subirem.
Serão, mesmo que os outros não admitam de imediato, vencedoras. Conquistarão um
lugar cativo no coração do seu povo.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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