Wednesday, October 12, 2016

Criado o clima para um “show” propagandístico



Pedro J. Bondaczuk


A reunião que o secretário de Estado dos Estados Unidos, George Shultz, manterá com as autoridades soviéticas, em Moscou,  está cercada de inusitada expectativa, não somente em virtude do “affaire” dos casos de espionagem mútua das superpotências, que freqüentou as manchetes internacionais nos últimos dias, mas principalmente porque dessa visita pode sair o primeiro acordo desarmamentista da Era Nuclear.

É evidente que se algum pacto for obtido, e existem ainda enormes obstáculos para que isso ocorra, ele não será anunciado agora. É capaz, inclusive, que os dois lados criem uma espécie de “cortina de fumaça” em torno dele, para despistar a opinião pública.

O objetivo, tanto do presidente norte-americano, Ronald Reagan, quanto do líder russo, Mikhail Gorbachev, é a realização de uma nova reunião de cúpula, que seria a terceira que ambos fariam, o que por si só já seria o suficiente para os projetar na história como estadistas e pacificadores.

Ambos, entretanto, precisam, desesperadamente, de alguma medida de impacto, apesar de por motivos bem diversos. O primeiro, para fazer com que o eleitorado dos Estados Unidos esqueça o escândalo “Irangate”, que o pode levar, inclusive, à renúncia e, por conseqüência, a um final melancólico em seu segundo mandato. O segundo, por estar enfrentando sérias resistências dentro do Partido Comunista de seu país às suas medidas reformistas, que vêm assustando os burocratas tradicionais do sistema.

Caso um acordo seja obtido, embora em termos práticos ele pouco venha a representar, Reagan usará, certamente, o fato como trunfo de campanha à sua sucessão e fará com que a venda secreta de armas ao Irã e a transferência ilegal de fundos obtidos nessa transação para os “Contras” da Nicarágua, fique sendo somente coisa do passado.

Gorbachev, por outro lado, terá as despesas militares soviéticas substancialmente reduzidas. Disporá, portanto, de mais e preciosos recursos para investir em sua caótica e claudicante economia, calando os que se opõem ao seu projeto reformista com os resultados que poderá obter, então, deles.

Mas um trunfo desses não pode ser jogado na mesa de maneira discreta. Para que atenda aos objetivos propagandísticos pretendidos, é indispensável que haja estardalhaço em torno do acordo. E nada melhor para isso do que uma visita do líder russo aos Estados Unidos, para uma reunião de cúpula em Washington.

Nos últimos dias especulou-se bastante acerca dos rumores de que George Shultz estaria levando em sua bagagem a Moscou um convite formal ao secretário-geral do Partido Comunista da URSS nesse sentido. Afirma-se que ele iria aguardar o desenlace de suas conversações antes de entregar tal mensagem.

Se o diálogo transcorrer pacífico e houver mais entendimento do que desacordo a propósito de um pacto desarmamentista, ela será entregue. Caso as coisas não aconteçam conforme tais previsões, isso ficará adiado para uma outra ocasião mais propícia.

Vai ser muito difícil aos observadores detectarem o resultado imediato desse encontro. Pelos motivos acima expostos, os comunicados que ambas as partes irão emitir deverão ser cifrados numa linguagem diplomática que apenas os mais experientes no ramo conseguirão interpretar.

Por isso, a pauta das conversações não ficou restrita apenas ao possível acordo de desarmamento. Outras questões controvertidas, que há muito vêm separando as superpotências, também deverão ser objetos de análises. A mais explosiva delas., como vem acontecendo há sete anos, será, certamente, a presença das tropas russas no Afeganistão.

De qualquer forma, entende-se que, dadas as circunstâncias especiais das duas superpotências necessitarem de um pacto desarmamentista, haverá um pouco mais de boa vontade no presente diálogo do que nos anteriores.

A rigor, a própria situação internacional de agora é mais propícia do que foi, por exemplo, a que se apresentou no momento que antecedeu a reunião de cúpula informal de Reykjavik, ocorrida seis meses após o bombardeio norte-americano às cidades líbias de Trípoli e Benghazzi.

A atual questão da espionagem nas embaixadas foi nitidamente forjada, já que o caso sequer é novo, pois aconteceu em 1986. Portanto, tudo leva a crer que até o fim deste ano, Gorbachev venha a se transformar no cabo eleitoral dos republicanos, para as eleições presidenciais de 1988. É só conferir depois.

(Artigo publicado na página 19, Internacional, do Correio Popular, em 12 de abril de 1987).


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