O
grande segredo
Pedro J.
Bondaczuk
O
homem convive com mistérios, alimenta-se deles, é um mistério... Tenta explicar
(em vão) tudo, desde o maior deles, que é o da natureza e finalidade da sua
vida, a detalhes corriqueiros do cotidiano, aos quais dá interpretações
pessoais, mais ou menos lógicas de acordo com seu preparo intelectual, mas
ainda assim empíricas, sujeitas a mudanças ao sabor dos acontecimentos. Temos
que construir nossa personalidade. Precisamos compor nossa biografia com atos e
fatos, com obras e idéias, com paixão e emoção.
Por
que os seres – animais ou vegetais – nascem, se desenvolvem e se reproduzem, se
estão, irremediavelmente, condenados a morrer? Não seria um desperdício? Há
vida em outras partes do Universo? Caso a resposta seja afirmativa, ela é
igual, semelhante ou diferente da existente na Terra? São perguntas, perguntas
e mais perguntas, infinitas delas, sem respostas sequer satisfatórias...
Tais
questões há muito desafiam filósofos, biólogos, astrônomos e especialistas nas
mais diversas áreas da ciência, sem que ninguém haja sequer se aproximado de
uma conclusão minimamente plausível. Os
que têm fé, fundamentam os objetivos da vida na esperança da eternidade, embora
de forma muito vaga, em geral induzida por suas próprias crenças e fantasias. A
maioria prefere mergulhar numa desesperada alienação, "vivendo"
apenas, sem inquirir a si próprios, à sua lógica e razão, sobre significados ou
finalidades.
Dia desses, lendo alguns contos de Edgar Alan Poe,
topei com um intitulado “Leonor”. E nessa insólita história, deparei-me com
esta citação, que me intrigou e suscitou estas descompromissadas reflexões: “Aqueles
que sonham de dia sabem muitas coisas que escapam àqueles que somente de noite
sonham. Nas suas vagas visões obtêm relances de eternidade e, quando despertam,
estremecem ao verem que estiveram mesmo à beira do grande segredo”.
A que grande mistério – o maior de todos (e o
definitivo) já que o escritor se refere a ele mediante o uso do artigo “o” e
não da palavra “um” – Alan Poe se referiu? À vida? À existência e
transcendência de Deus? À mortalidade ou imortalidade da alma? Qual é, afinal,
este “grande segredo”? O amor? São as amizades? O bem e o mal? Só é possível
ficarmos, mesmo, no terreno das especulações, ou seja, das perguntas sem as
respectivas e convincentes respostas a esse propósito.
Há
sentimentos que, por mais peritos que sejamos no uso da linguagem, por mais
expressivos e exatos que sejam os termos que empregarmos, se mostram
impossíveis de serem expressos. Quantas vezes, em face da pessoa amada, por
exemplo, queremos dizer-lhe o quanto a amamos e só conseguimos balbuciar
palavras toscas, que a nós parecem irrisórias e de imensa indigência!
É
certo que os que sabem ler a linguagem dos gestos, como a profundidade do
olhar, a força do sorriso, a magia do toque, a possessividade do abraço e o
desespero do beijo, recebem essas mensagens. Ainda assim, elas não expressam,
na totalidade, a grandeza dos sentimentos. E muito menos, claro, a do amor.
Quantos versos não deixam de ser escritos por nos fugirem as palavras adequadas
que os deveriam revestir!
Ninguém
é mais íntimo para nós (e, no entanto, tão desconhecido) como nós mesmos.
Nossas ações e sentimentos não raro nos surpreendem, para o bem ou para o mal.
Temos um potencial imenso de força, de coragem e de bondade (mas também de
maldade) que não sabemos de que tamanho e intensidade é.
Amiúde
nos surpreendemos cometendo atos reprováveis, ditados pelo inconsciente ou
pelos instintos, que nos horrorizam, porquanto, conscientemente, não nos
julgamos capazes de os cometer. Constituímo-nos em mistério, em feroz e
indecifrável Esfinge para nós mesmos. E por que? Trata-se de um “grande
segredo”. Seria o referido por Alan Poe? Talvez...
O
mundo tem tanta coisa sublime e grandiosa a ser contemplada (concreta ou
abstrata não importa) e a vida é tão curta e passageira, que não podemos nos
deter um só instante à beira do caminho para expressar euforia ou desencanto ou
para especulações e indagações. Não podemos perder tempo. Compete-nos sempre seguir, avançar, observar,
procurar e colecionar fatos, sem nos determos jamais.
Feriremos,
é certo, os pés em pedras pontiagudas e as mãos nos espinhos que protegem as
flores. Mas só seguindo nosso caminho, sem desânimo e nem vacilações,
atingiremos a magnífica alvorada de luz. E justificaremos, dessa forma, nossas
vidas. Entendo que este sim é o “grande segredo” a que Edgar Alan Poe se
referiu (embora não possa jurar que o seja): o da justificação de uma vida e da
descoberta do caminho que nos conduza a essa consoladora certeza. Tudo o
mais... pouco importa!
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