URSS é de novo grande
"laboratório" político
Pedro J. Bondaczuk
A
decisão do Soviete Supremo da URSS de suspender as atividades do Partido
Comunista em todo o país, até que seja devidamente apurado o grau de sua
participação na frustrada tentativa de depor o presidente Mikhail Gorbachev, é
o mais novo capítulo de um drama que está produzindo mudanças no mundo de
tamanha amplitude que sequer é possível alguém fazer uma análise serena,
objetiva e sobretudo confiável de suas conseqüências.
Esse
novo episódio traz de volta a pergunta: o comunismo morreu? Para os líderes e
ideólogos capitalistas, sim. Para os que adotam as idéias de Karl Marx como um
dogma imutável e infalível, não. Para os que crêem que as duas ideologias
dominantes neste século se constituem no verso e no reverso da mesma moeda, ele
só está mudando e os extremos estão se encaminhando para se tocar.
Aliás,
se esta última hipótese for verdadeira, a União Soviética pode estar se
transformando num magnífico laboratório político. Nenhum lugar no mundo,
atualmente, é mais adequado para essa fusão. O ideal, todavia, é que o novo
sistema híbrido que surgisse, incorporasse o que há de melhor em cada
ideologia. Existe o risco de ocorrer o contrário. De emergir um monstrengo
disforme, com a insensibilidade social do capitalismo e a incompetência
econômica do comunismo. E isso seria, evidentemente, trágico.
O
antropólogo do estruturalismo, Claude Lévy Strauss, numa entrevista publicada
pela revista "Visão" em 5 de maio de 1980, afirmou: "Por muitas
razões, temo que o mundo de hoje por causa de sua densidade e complexidade,
pelo número incrível de variáveis envolvidas, não possa mais ser apreendido
pelo pensamento, ao menos de maneira totalmente abrangente. Como a maioria das
pessoas, continuo reagindo aos acontecimentos, mas de forma epidérmica".
Ressalte-se
que na época em que Strauss fez tais declarações, a realidade mundial era mais
nítida e ainda assim o antropólogo a definiu como nebulosa. Imagine o leitor o
que ele diria hoje, se estivesse vivo! Recorde-se que na década de 80, mais
especificamente no seu início, a guerra fria estava em plena vigência e até
ameaçava entrar em ebulição, após a invasão soviética ao Afeganistão, que havia
ocorrido quase seis meses antes.
Os
Estados Unidos viviam um período de campanha presidencial, com Ronald Reagan
conquistando cada vez maior espaço. Cinqüenta e dois norte-americanos estavam
retidos como reféns na embaixada de seu país em Teerã e o deposto xá do Irã
fazia sua peregrinação pelo mundo, tentando escapar dos sicários do aiatolá
Ruhollah Khomeini que o queriam matar.
Na
União Soviética, a Olimpíada de Moscou estava para começar, com um boicote
generalizado. Leonid Brezhnev ameaçava mundos e fundos e a corrida armamentista
nuclear atingia o paroxismo. Embora crítica a situação, ela era pouco mutável,
portanto, mais fácil de ser interpretada.
Hoje,
todavia, tudo está mais confuso. Como será, por exemplo, a nova URSS? Haverá
uma federação ou teremos uma porção de republiquetas terceiromundistas
orbitando ao redor da Rússia? Qual será o destino do comunismo na China, em
Cuba, na Coréia do Norte e no Vietnã? Também desaparecerá ou fará sua
autocrítica, em busca de revanche contra o capitalismo?
Tentar
responder essas questões agora é, no mínimo, pretender se expor ao ridículo,
tão instável e cambiante é a situação. Por enquanto, as atenções estão
concentradas nas mazelas cometidas pelos comunistas soviéticos. Revelações
estarrecedoras certamente serão feitas assim que os confiscados arquivos do PC
sejam devassados.
O
reverso da Revolução de 1917 poderia ser caracterizado com os mesmos versos que
Vladimir Mayakowski escreveu na década de 1920 para falar do "verso":
"Nos corações revolucionários a
tempestade cessou
e toda a imundície da URSS surgiu de
novo do lodo
E por trás das costas da URSS
insinuou-se o sorriso grotesco dos
pequenos burgueses filisteus".
(Artigo
publicado na página 15, Internacional, do Correio Popular, em 31 de agosto de
1991).
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