Saturday, October 29, 2016

URSS é de novo grande "laboratório" político


Pedro J. Bondaczuk


A decisão do Soviete Supremo da URSS de suspender as atividades do Partido Comunista em todo o país, até que seja devidamente apurado o grau de sua participação na frustrada tentativa de depor o presidente Mikhail Gorbachev, é o mais novo capítulo de um drama que está produzindo mudanças no mundo de tamanha amplitude que sequer é possível alguém fazer uma análise serena, objetiva e sobretudo confiável de suas conseqüências.

Esse novo episódio traz de volta a pergunta: o comunismo morreu? Para os líderes e ideólogos capitalistas, sim. Para os que adotam as idéias de Karl Marx como um dogma imutável e infalível, não. Para os que crêem que as duas ideologias dominantes neste século se constituem no verso e no reverso da mesma moeda, ele só está mudando e os extremos estão se encaminhando para se tocar.

Aliás, se esta última hipótese for verdadeira, a União Soviética pode estar se transformando num magnífico laboratório político. Nenhum lugar no mundo, atualmente, é mais adequado para essa fusão. O ideal, todavia, é que o novo sistema híbrido que surgisse, incorporasse o que há de melhor em cada ideologia. Existe o risco de ocorrer o contrário. De emergir um monstrengo disforme, com a insensibilidade social do capitalismo e a incompetência econômica do comunismo. E isso seria, evidentemente, trágico.

O antropólogo do estruturalismo, Claude Lévy Strauss, numa entrevista publicada pela revista "Visão" em 5 de maio de 1980, afirmou: "Por muitas razões, temo que o mundo de hoje por causa de sua densidade e complexidade, pelo número incrível de variáveis envolvidas, não possa mais ser apreendido pelo pensamento, ao menos de maneira totalmente abrangente. Como a maioria das pessoas, continuo reagindo aos acontecimentos, mas de forma epidérmica".

Ressalte-se que na época em que Strauss fez tais declarações, a realidade mundial era mais nítida e ainda assim o antropólogo a definiu como nebulosa. Imagine o leitor o que ele diria hoje, se estivesse vivo! Recorde-se que na década de 80, mais especificamente no seu início, a guerra fria estava em plena vigência e até ameaçava entrar em ebulição, após a invasão soviética ao Afeganistão, que havia ocorrido quase seis meses antes.

Os Estados Unidos viviam um período de campanha presidencial, com Ronald Reagan conquistando cada vez maior espaço. Cinqüenta e dois norte-americanos estavam retidos como reféns na embaixada de seu país em Teerã e o deposto xá do Irã fazia sua peregrinação pelo mundo, tentando escapar dos sicários do aiatolá Ruhollah Khomeini que o queriam matar.

Na União Soviética, a Olimpíada de Moscou estava para começar, com um boicote generalizado. Leonid Brezhnev ameaçava mundos e fundos e a corrida armamentista nuclear atingia o paroxismo. Embora crítica a situação, ela era pouco mutável, portanto, mais fácil de ser interpretada.

Hoje, todavia, tudo está mais confuso. Como será, por exemplo, a nova URSS? Haverá uma federação ou teremos uma porção de republiquetas terceiromundistas orbitando ao redor da Rússia? Qual será o destino do comunismo na China, em Cuba, na Coréia do Norte e no Vietnã? Também desaparecerá ou fará sua autocrítica, em busca de revanche contra o capitalismo?

Tentar responder essas questões agora é, no mínimo, pretender se expor ao ridículo, tão instável e cambiante é a situação. Por enquanto, as atenções estão concentradas nas mazelas cometidas pelos comunistas soviéticos. Revelações estarrecedoras certamente serão feitas assim que os confiscados arquivos do PC sejam devassados.

O reverso da Revolução de 1917 poderia ser caracterizado com os mesmos versos que Vladimir Mayakowski escreveu na década de 1920 para falar do "verso":

"Nos corações revolucionários a tempestade cessou
e toda a imundície da URSS surgiu de novo do lodo
E por trás das costas da URSS
insinuou-se o sorriso grotesco dos pequenos burgueses filisteus".


(Artigo publicado na página 15, Internacional, do Correio Popular, em 31 de agosto de 1991).

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