Monday, October 17, 2016

Ocidente fez Saddam ser forte


Pedro J. Bondaczuk

A população iraquiana jamais conheceu a autêntica democracia ao longo da acidentada trajetória desse país neste século, desde que o Iraque foi desmembrado do Império Otomano, quando de seu colapso, e se tornou independente. Quando seu território não foi submetido a intervenções estrangeiras --- e só a Grã-Bretanha promoveu duas, na Primeira e na Segunda Guerra Mundial --- o seu povo teve que suportar monarcas tirânicos, que jamais souberam o que eram direitos humanos, sem qualquer reação dos autoproclamados "paladinos da justiça" do Ocidente em sua defesa. Derrubada a monarquia, sucederam-se os ditadores militares, que nunca admitiram sequer a existência da palavra oposição.

Nesse contexto todo, até se entende o apoio dado agora pelos iraquianos ao general Saddam Hussein. Ele, pelo menos, deu um objetivo, posto que megalomaníaco, acenou para o povo com uma pretensa grandeza, prometendo dar ao país um papel de liderança no mundo árabe, que ele nunca teve, embora às custas de muito sangue.

Desde que o atual presidente chegou ao poder, em 16 de julho de 1979, com a renúncia do general Ahmed Hassan Ali-Bakr, o Iraque teve, praticamente, apenas dois anos e dois meses de paz. A violência, portanto, é rotina na vida dos seus habitantes.

O tempo restante foi gasto em combater o Irã e com a invasão do Kuwait, que redundou na atual guerra do Golfo Pérsico. É necessário que se frise que o fenômeno Saddam Hussein é fruto exclusivo de erros das próprias potências mundiais, que hoje querem posar de guardiãs da liberdade, já que há ingênuos suficientes que acreditam nisso.

Quando o regime do xá Rheza Pahlevi começou a entrar em colapso, nenhuma chancelaria ocidental teve competência para perceber que sua queda era questão de tempo. Ao invés de apoiarem a oposição moderada iraniana, deixaram-na na mão, confiantes de que a polícia secreta do ditatorial monarca daria conta do recado. Mas não deu.

Os aiatolás assumiram o poder e devolveram o Irã à Idade Média. E, o pior, desestabilizaram todo o Golfo Pérsico. Quando o rei Faiçal II do Iraque foi derrubado e morto, em 1958, as potências do Ocidente, mergulhadas nas picuinhas de "guerra fria" com a União Soviética, não tiveram sensibilidade para influenciar a elite pensante iraquiana no sentido de estabelecer uma democracia nesse país e fazer dele o fator estabilizador da região.

Afinal, naquele tempo o petróleo dessa nação árabe ainda não pesava na balança energética mundial, como agora. E os pseudo-estadistas ocidentais sempre foram imediatistas. Assim que Saddam mostrou sua ambição expansionista, atacando o Irã enfraquecido pelo caos revolucionário, em 20 de setembro de 1979, ninguém se manifestou para devolver o ditador à realidade.

Ao contrário, os propalados "justiceiros" armaram-no até os dentes, a ponto do Iraque ser hoje a quarta mais poderosa força armada do mundo. E depois de Hussein, que outro monstro os incompetentes políticos, que querem impor uma "nova ordem mundial", irão criar?

(Artigo publicado na página 18, Internacional, do Correio Popular, em 15 de fevereiro de 1991).


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