Instrumentos
de paz
Pedro J. Bondaczuk
O jornalista tem missão das mais ingratas na
sociedade. Compete-lhe divulgar as piores notícias, reportar os fatos mais
dramáticos e dolorosos e trazer à baila os problemas mais complicados. Seu
objetivo, quase sempre incompreendido, não é o de fazer sensacionalismo, de
desanimar as pessoas, de alarmar a sociedade ou o de alimentar controvérsias.
É o de estabelecer (ou restabelecer quando existiu e
foi suprimida) a verdade. É, através do conflito, servir de instrumento de paz.
Sua tarefa assenta-se sobre um triplo pilar: informar, formar e prestar
serviços à comunidade. Uma das recomendações feitas aos comunicadores, quando
ainda nos bancos escolares, é a de que eles não se envolvam emocionalmente com
o que estão noticiando. E muito menos com os personagens da notícia.
Recomenda-se que mantenham a isenção, a neutralidade, a postura de um árbitro.
Discordo disso e por uma razão muito simples. O
cardeal salvadorenho Dom Oscar Arnulfo Romero, assassinado em 1980 quando
rezava missa na capela de um hospital de San Salvador, alertou: "O maior
perigo diante de tanta violência no mundo atual, é que nos façamos
insensíveis".
É essa perda de sensibilidade que procuro, a todo o
custo, evitar. Ela implica em desumanização, em robotização, em morte da
emoção. Entendo que o jornalista --- como ademais qualquer profissional, seja
de que área for --- deve pôr paixão naquilo que faz.
Claro que esse desfile cotidiano de desgraças e
morbidez, noticiado ou comentado dia após dia, mês após mês, ano após ano,
cobra um preço na maioria das vezes excessivamente alto de quem se disponha a
se identificar com as vítimas, se apiedar do sofrimento alheio, se revoltar
contra os tiranos, os corruptos e os violentos e tentar fazer alguma coisa, qualquer
coisa, para evitar a repetição das desgraças. Ou, quando isto não for possível,
de remediar os estragos feitos.
Pouco ou nada, contudo, podemos fazer, a não ser
exercer nosso ofício com honestidade, com entusiasmo e com dedicação. O poder
de que dispomos é relativo. E muitos de nós o exercemos com arrogância e em
proveito próprio. Meu esforço diário não é o de fugir da dor provocada na alma
pelos episódios dramáticos narrados. E muito menos o de atenuar os efeitos
psicológicos que eventualmente possam me causar (e que de fato causam).
É o de sentir-me vivo, capaz de reagir contra
desgraças e misérias, como um homem na verdadeira acepção do termo. Para esse
fim tenho, como única "arma", esse instrumento ao mesmo tempo
poderoso e frágil, chamado "palavra". Estou consciente dos riscos que
sua má utilização impõe.
Foi-se o tempo em que utilizava esse recurso
comunicativo para fazer frases de efeito e tapear os basbaques, como ainda hoje
é muito comum entre boa parte dos articulistas, cronistas e comentaristas, que
lidam com opinião. A fase da "pirotecnia" acabou.
Hoje, meu empenho é o de tornar meu texto preciso,
dosado, equilibrado, com bom-senso e verdadeiro. E, sobretudo, agudo,
penetrante, perfurante e humano. Pragmático, mas sem deixar de ser sensível.
Emotivo, sem resvalar para o pieguismo.
Quero que aquilo que escrevo não passe apenas pelo
intelecto, como uma mariposa, uma borboleta, um beija-flor, simplesmente de
passagem. Empenho-me em expressar-me com tamanha sinceridade e inteireza, que o
que escreva penetre fundo no coração, na alma, na emoção, na sensibilidade do
leitor. A responsabilidade, nesse caso, é muito maior. Com essa postura, tanto
posso fazer o bem, prestar conforto e consolar os que necessitem, quanto levar
desespero, desgosto e rancor.
Por isso, busco manter sempre presente a pertinente
advertência de Saint-Exupéry: "A Palavra pode ser a ponte de união entre
as pessoas ou uma fonte de mal-entendidos". Nos tempos presentes, tem sido
muito mais a segunda do que a primeira. Portanto, para que seja fator que una
os indivíduos e nunca os divida e lance uns contra os outros, é necessário que
o texto seja um primor de clareza. Que conte com poder de convencimento acima
da média. Que seja ponte que una um coração com outros. Um, dez, vinte, cem,
mil, cinqüenta mil, um milhão, não importa. Mas que aproxime pessoas.
Daí não poder e nem dever ficar insensibilizado,
frio, neutro face aos acontecimentos, com todos os riscos que esse envolvimento
comporte. Uma das orações mais humanas e ao mesmo tempo mais humildes que já li
ou ouvi é a de São Francisco de Assis que começa: "Senhor, fazei de mim
instrumento de vossa paz..." Procuro fazer dessas palavras mais do que
mera prece recitada: um lema de vida...
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