Friday, October 07, 2016

Povos da URSS têm desafio e oportunidade


Pedro J. Bondaczuk


A União Soviética passa por uma experiência que, embora traumatizante, dada a dramática situação em que o país se encontra, não deixa de ser fascinante, pelas possibilidades que abre. É como uma casa em reformas. Se o trabalho for bem executado, em pouco tempo a sujeira e o aspecto de caos cederão lugar à beleza, à grandeza e às vezes até ao luxo.

É mister, todavia, que os amargos 74 anos de comunismo tenham deixado uma lição bem marcada nos corações e nas mentes dos soviéticos. A de que, a despeito da necessidade de instituições, de controles e de organização, estes nunca devem sujeitar o homem, mas serem sujeitos a ele.

O professor e economista norte-americano Ronald C. Nairn alertou: "A riqueza é criação do indivíduo. A imaginação, inteligência, criatividade, habilidade e energia são atributos humanos, não atributos institucionais. As instituições, sobretudo os governos, não criam riqueza, mas podem auxiliar, criando condições nas quais indivíduos possam ter liberdade de desenvolver seus talentos".

Nunca um povo precisou tanto do resgate da criatividade, quanto o soviético atual. Aliás, essa necessidade existe, e muito, por toda a parte e logicamente também no Brasil. Não serão governos, sistemas, ideologias, pacotes, congelamentos, golpes de Estado ou seja lá o que for que tirarão o país de sua imensa crise. Será a vontade de cada um, que somada à de seu semelhante, formará uma onda irresistível que varrerá com facilidade o pessimismo, o cinismo, o derrotismo, o oportunismo, o desrespeito ao próximo e tudo aquilo que nos infelicita e faz com que andemos para trás.

É indispensável, sobretudo, que cada um faça aquilo que goste e onde se sinta melhor. Todos possuem talentos. Poucos, no entanto, têm chances de descobri-los, desenvolvê-los e aplicá-los no progresso individual e coletivo.

O pensador alemão, Robert Jungk, observou: "A divisão entre aqueles que comem e os que têm fome vai existir sempre. Mas já está preparada uma outra divisão: entre aqueles que fazem um trabalho interessante, pouco rotineiro e os que não são informados de nada, os que nunca poderão tomar decisões, influenciar o curso das coisas, criar. Esta gente forma uma nova classe de pobres, condenados a se tornarem brinquedos, ou imitadores. E isso é fonte de profundo mal-estar, que nada tem a ver com reivindicações econômicas. O ser humano é fundamentalmente criador e em vez disso existe muita gente dependente e manipulada".

Convém, sempre que possível, debater exaustivamente, seja em que meio for, o papel do Estado no mundo contemporâneo. À distância nos parece que os soviéticos ainda não entenderam direito o alcance das reformas que Gorbachev vem implantando em seu país.

Para muitos, tudo é uma grande festa. Para outros, uma catástrofe. Para terceiros, trata-se apenas de uma mudança de homens e de nomenclaturas, com tudo ficando como sempre esteve. Parecem racionar como aquele personagem de Giuseppe Tommaso di Lampeduse, no livro "O Leopardo", quando diz que "é preciso que tudo mude para que tudo permaneça inalterado".

Logo, cada cidadão irá entender, e pelo meio mais difícil, mas mais didático, o da forma, que não compete ao governo plantar os campos, colher o trigo e as batatas, transportar tais gêneros para centros de distribuição, vender esses produtos.

Cada soviético precisará reaprender os princípios mínimos, elementares, o be-a-bá da organização de uma sociedade, que vários povos que pretensamente viveriam numa "democracia" --- termo elástico demais para sequer ser levado a sério --- também esqueceram.

Nos dois últimos séculos, os homens trocaram somente de tiranos, embora baseados em empoladas teorias filosóficas e em sistemas que não resistem à mínima análise lógica, pragmática, isenta de paixões. Deixaram de lado os reis e sujeitaram-se aos políticos. O que conta, sempre contou e haverá de contar é o homem. Só ele tem capacidade de criar e de destruir. Só ele pode formar correntes de solidariedade ou de egoísmo. O resto? É vã filosofia!

(Artigo publicado na página 16, Internacional, do Correio Popular, em 6 de setembro de 1991).


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