Povos da URSS têm desafio e
oportunidade
Pedro J. Bondaczuk
A
União Soviética passa por uma experiência que, embora traumatizante, dada a
dramática situação em que o país se encontra, não deixa de ser fascinante,
pelas possibilidades que abre. É como uma casa em reformas. Se o trabalho for
bem executado, em pouco tempo a sujeira e o aspecto de caos cederão lugar à
beleza, à grandeza e às vezes até ao luxo.
É
mister, todavia, que os amargos 74 anos de comunismo tenham deixado uma lição
bem marcada nos corações e nas mentes dos soviéticos. A de que, a despeito da
necessidade de instituições, de controles e de organização, estes nunca devem
sujeitar o homem, mas serem sujeitos a ele.
O
professor e economista norte-americano Ronald C. Nairn alertou: "A riqueza
é criação do indivíduo. A imaginação, inteligência, criatividade, habilidade e
energia são atributos humanos, não atributos institucionais. As instituições,
sobretudo os governos, não criam riqueza, mas podem auxiliar, criando condições
nas quais indivíduos possam ter liberdade de desenvolver seus talentos".
Nunca
um povo precisou tanto do resgate da criatividade, quanto o soviético atual.
Aliás, essa necessidade existe, e muito, por toda a parte e logicamente também
no Brasil. Não serão governos, sistemas, ideologias, pacotes, congelamentos,
golpes de Estado ou seja lá o que for que tirarão o país de sua imensa crise.
Será a vontade de cada um, que somada à de seu semelhante, formará uma onda
irresistível que varrerá com facilidade o pessimismo, o cinismo, o derrotismo,
o oportunismo, o desrespeito ao próximo e tudo aquilo que nos infelicita e faz
com que andemos para trás.
É
indispensável, sobretudo, que cada um faça aquilo que goste e onde se sinta
melhor. Todos possuem talentos. Poucos, no entanto, têm chances de
descobri-los, desenvolvê-los e aplicá-los no progresso individual e coletivo.
O
pensador alemão, Robert Jungk, observou: "A divisão entre aqueles que
comem e os que têm fome vai existir sempre. Mas já está preparada uma outra
divisão: entre aqueles que fazem um trabalho interessante, pouco rotineiro e os
que não são informados de nada, os que nunca poderão tomar decisões,
influenciar o curso das coisas, criar. Esta gente forma uma nova classe de
pobres, condenados a se tornarem brinquedos, ou imitadores. E isso é fonte de
profundo mal-estar, que nada tem a ver com reivindicações econômicas. O ser
humano é fundamentalmente criador e em vez disso existe muita gente dependente
e manipulada".
Convém,
sempre que possível, debater exaustivamente, seja em que meio for, o papel do
Estado no mundo contemporâneo. À distância nos parece que os soviéticos ainda
não entenderam direito o alcance das reformas que Gorbachev vem implantando em
seu país.
Para
muitos, tudo é uma grande festa. Para outros, uma catástrofe. Para terceiros,
trata-se apenas de uma mudança de homens e de nomenclaturas, com tudo ficando
como sempre esteve. Parecem racionar como aquele personagem de Giuseppe Tommaso
di Lampeduse, no livro "O Leopardo", quando diz que "é preciso
que tudo mude para que tudo permaneça inalterado".
Logo,
cada cidadão irá entender, e pelo meio mais difícil, mas mais didático, o da
forma, que não compete ao governo plantar os campos, colher o trigo e as
batatas, transportar tais gêneros para centros de distribuição, vender esses
produtos.
Cada
soviético precisará reaprender os princípios mínimos, elementares, o be-a-bá da
organização de uma sociedade, que vários povos que pretensamente viveriam numa
"democracia" --- termo elástico demais para sequer ser levado a sério
--- também esqueceram.
Nos
dois últimos séculos, os homens trocaram somente de tiranos, embora baseados em
empoladas teorias filosóficas e em sistemas que não resistem à mínima análise
lógica, pragmática, isenta de paixões. Deixaram de lado os reis e sujeitaram-se
aos políticos. O que conta, sempre contou e haverá de contar é o homem. Só ele
tem capacidade de criar e de destruir. Só ele pode formar correntes de
solidariedade ou de egoísmo. O resto? É vã filosofia!
(Artigo
publicado na página 16, Internacional, do Correio Popular, em 6 de setembro de
1991).
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