Meros tijolos
Pedro
J. Bondaczuk
A dúvida sensata, na
medida certa, não é, como muitos desavisados entendem, falta de fé. Trata-se de
um ingrediente que promove a evolução espiritual e melhora as idéias,
consolidando as convicções. Estabelece, depois de esclarecida, bases sólidas
para as crenças que, a partir de então, se tornam inabaláveis.
Mas a dúvida é como o
sal. Se a utilizarmos além da medida, tornará as idéias intragáveis, como
acontece com as comidas salgadas em demasia. Conheço pessoas, por exemplo (e
não são poucas), que ainda não acreditam que o homem tenha pisado na lua. Há,
inclusive, um site na internet que reúne os que pensam dessa maneira.
Argumentam que a corrida espacial se deu no contexto da guerra fria. E que na
ocasião, tanto os Estados Unidos, quanto a extinta União Soviética se
utilizaram de todos os recursos, inclusive ilícitos, para fazer propaganda de
seu respectivo regime. E que a descida na lua foi uma dessas “mentiras” com
fins promocionais.
Dizem até – com uma
convicção que não se sabe de onde vem – que as imagens de televisão, que
mostraram Neil Armstrong pisando, em 20 de julho de 1970, no solo lunar, foram,
na verdade, gravadas em algum deserto da Terra, no Saara, talvez, ou, quem
sabe, até em próprio território norte-americano. É o tipo de dúvida ridículo. É
o caso do “sal” usado em excesso.
Se o usarmos, porém, na
medida certa, o sabor das idéias será delicioso para o espírito. A crença, sem
fundamento, não é fé, mas fanatismo, sustentado pelos alicerces apodrecidos dos
dogmas. Reitero, porém, que a dúvida deve ser usada com parcimônia. Afinal, uma
“pitada” não é o mesmo que uma “tonelada”.
Quase todos, algum dia,
nos julgamos – intimamente, no fundo do nosso coração – mais importantes do que
de fato somos, imprescindíveis até para a sociedade, senão para a humanidade. A
maioria cai em si e humildemente admite que tem importância, mas não é
indispensável e nem insubstituível. É mero tijolo de um grande edifício, cujo
projeto não se sabe quem fez e nem se conhece a finalidade. Usam o tempero da
dúvida na medida certa. Não são, portanto, nem céticos empedernidos e muito
menos fanáticos, que não admitem contestação daquilo que acreditam.
Alguns, todavia, não
agem com esse bom-senso. “Salgam” em demasia idéias e convicções. Teimam em se
julgar mais importantes do que são. O tempo e os fatos, porém, se encarregam de
abater seu orgulho. Via de regra, essas pessoas descambam para o outro extremo,
igualmente errado. Passam a se considerar inúteis e dispensáveis. Também não são.
É como se diz: “A virtude está no meio”.
Vivemos em dois
compartimentos distintos: o exterior e o interior. O primeiro é o da
convivência com outras pessoas, dos relacionamentos – afetivos, sociais,
profissionais etc. – caracterizado por intensa competição e pouca cooperação
(deveria ser o inverso). O segundo é o convívio conosco mesmos, com nossas
idéias, valores, convicções, pensamentos e sentimentos.
O ideal é que nossa
vida seja rigorosamente equilibrada nos dois planos. Ou seja, no cumprimento do
nosso papel no mundo e no enriquecimento espiritual, sem o qual teremos poucas
chances de sucesso. Na vida exterior, quase sempre, a tendência é a ostentação.
Na interior, é o bom-senso, o equilíbrio e o pragmatismo.
As pessoas
não-dogmáticas (diria, pragmáticas), têm sede e fome de conhecimentos que são
insaciáveis. Mantêm-se permanentemente ligadas ao mundo, dispostas a aprender
tudo o que possam. São, pois, as que têm as maiores chances de mudar, sem que
tais mudanças impliquem em traumas. Tão logo descubram que aquilo em que
acreditavam não é, rigorosamente, verdadeiro, mudam de opinião, sobre os outros
ou sobre si mesmos, sem nenhum problema. Sabem temperar suas crenças com o sal
da dúvida.
Convenhamos, a
descoberta das nossas limitações é sempre complicada, pois fere nosso amor
próprio. Mas é importante. Se quisermos empreender conquistas, é indispensável
sabermos onde estamos, o que somos e o que queremos, para que possamos escolher
a estratégia e os meios adequados para a nossa evolução.
Não é necessário,
claro, alardear nossas deficiências aos quatro ventos. Se o fizéssemos,
estaríamos nos depreciando, ou seja, utilizando em demasia o “sal da dúvida”,
ao duvidar de nós mesmos. Mas é indispensável que identifiquemos nossas
vulnerabilidades e nos disponhamos a corrigir o que estiver incorreto.
Todos temos lá nossa
importância, embora, reitero, não tanta como desejamos. O filósofo Will Durant
chega a esta conclusão, no livro “Filosofia da vida”: “A maior parte de nós não
passamos de simples matéria-prima, meros tijolos dum edifício cujo plano não
podemos conceber”. Não há como contestar! E qual o problema de não sermos o
telhado dessa construção?!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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