Soviéticos precisam
reaprender a criar
Pedro J. Bondaczuk
A
União Soviética, caso pretenda ser aquela superpotência com que seu povo sonha,
não a exportadora de uma revolução e de uma ideologia fracassadas, mas uma
sociedade livre, próspera e justa, terá de passar por um longo e penoso
aprendizado. Em primeiro lugar, os trabalhadores precisarão
"reaprender" a trabalhar, a empenhar-se em suas tarefas com
eficiência e criatividade.
Para
isso, todavia, o sistema terá de mudar. Os operários terão de contar com
estímulos muito mais palpáveis do que aquele que tiveram nos derradeiros 74
anos, que era o da construção de um Estado forte, às custas da sua
despersonalização. O primeiro passo a ser dado, portanto, está no campo da
conscientização, que não deve ser confundida com a propaganda estatal, em geral
mentirosa, e por isso alienadora.
Essa
tarefa deve ser assumida conjuntamente por todos os reformistas, não importando
qual seja sua corrente. Os presidentes Mikhail Gorbachev, da URSS, e Bóris
Yeltsin, da Rússia, precisam deixar de lado seu antagonismo pessoal pelo bem
comum.
Apenas
atuando juntos ambos poderão, quem sabe, começar agora uma tarefa que é tão
grande que certamente será concluída apenas por gerações vindouras. O Congresso
dos Deputados do Povo, órgão ao qual compete traçar o balizamento legal do
processo de reformas, tem que deixar de lado simpatias e antipatias e fazer o
que precisa ser feito, por mais impopulares que suas decisões possam parecer.
O
filósofo católico e jornalista francês Michel Serres, num lúcido livro
publicado recentemente no Brasil pela Editora Quadrante, acentuou: "Depois
do meio do rio, percebe-se a outra margem. O momento cardeal é esse, quando se
está entre as duas margens. Quando a noção de segurança se esvai e tudo depende
da própria iniciativa e coragem. Em outros termos, trata-se de deixar a cultura
de nascença, partir rumo a outra cultura, a outro conhecimento, tornar-se um
inglês, um alemão, um matemático, um caçador de passarinhos". A União
Soviética contemporânea está "no meio do rio".
A
insegurança predomina, inclusive acerca da sua sobrevivência, diante da
crescente e quase incontrolável onda de separatismo, que ameaça a federação de
desagregação. Agora, porém, é que é a hora da grande virada. Claro que ela não virá
sem sacrifícios e muito menos sem trabalho.
Compete
aos líderes convencer seus liderados dessa realidade. É tarefa de Gorbachev, de
Yeltsin, do ex-chanceler Eduard Shevardnadze, dos prefeitos de Moscou, Gavril
Popov, e Anatoly Sobchak, de Leningrado, e outros líderes fortes, assumirem
esse papel de "mestres". Mas para isso terão de deixar de lado
"vedetismos" e interesses
pessoais, em nome de uma tarefa muito maior.
A
União Soviética atual atravessa um momento caótico de desorganização de suas
instituições, que ninguém sabe direito mais quais são, e principalmente de seu
aparato produtivo. O exilado escritor Alexander Solzhenitsyn retratou bem a
situação ao escrever, semanas antes da frustrada tentativa de golpe de Estado
de 19 de agosto passado:
"Em
nossa economia atual tudo exala miséria e é preciso encontrar uma saída. É uma
necessidade vital! Urge que se dê um sentido ao trabalho: faz meio século que
ninguém mais tem o menor interesse em trabalhar! E não há mais ninguém para
fazer crescer o trigo, mais ninguém para cuidar do rebanho. E milhares de
pessoas moram no que não se poderia chamar de casas ou passam anos enfurnadas
em 'moradias' pútridas. E todos os velhos e inválidos vivem miseravelmente. E
nossos espaços outrora tão belos estão agora imundos pelos restos industriais,
intransitáveis devido ao movimento de nossas estradas assustadoras".
Os
soviéticos precisam aprender. Aprender a administrar a liberdade que
conquistaram nas ruas. Aprender a dar um sentido grandioso às suas próprias
vidas.
(Artigo
publicado na página 16, Internacional, do Correio Popular, em 3 de setembro de
1991).
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